PÍLULAS PARA O SILÊNCIO (PARTE CCXCVI)
Clauder Arcanjo*
(Autorretrato, de Antonio Bandeira)
Para o poeta Pedro Paulo Paulino
Um passarinho, sofrido e assustado, apareceu na janela a cantar:
— Sou de Canindé e, nesse voo longo, quase perdi a fé. Vi coisas de levar um cristão a abandonar a esperança, apesar de eu ter nas asas os sonhos de uma criança.
Curioso, falei:
— Vens de longe! Mas por que ficaste tão sofrido?
Ele respirou de bico aberto e, em seguida, me respondeu:
— Parava de quando em quando e tentava trinar para os homens cabisbaixos que encontrava. Tal o quê, eles nem me davam atenção, com pouco me tangiam de suas terras; e agora estou aqui. Quase um condenado. Não consegui fazer brotar sequer um sorriso novo na face daqueles que encontrei.
Ofertei-lhe água fresca. Ele bebericou, penteando depois as penas com o bico fino. Refeito, o pássaro olhou para mim e, de pronto, arrematou:
— Terei que seguir: um riso em ti é quase um milagre. Valei-me, São Francisco!
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Ajustou a cangalha no burrico e partiu.
Ao entrar no mercado de Licânia, dispôs a carga de milho no piso de pedra, à sombra do tamarineiro centenário.
O primeiro comprador se aproximou; fingindo desinteresse, perguntou:
— Foi colhido hoje?
— Sim, meu senhor.
— Está bem verde?
— Verdinho, verdinho!
— Ah, eu não queria tão verdoso assim, pois estou atrás de milho para pamonha!
O sertanejo, ao perceber a artimanha do freguês, asseverou-lhe:
— Também, meu senhor, as espigas não estão esse verde todo não! Pode levar.
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Queixou-se da rima que ouvira do cantador de feira. Retornando para casa, ele tentou criar uma sextilha na métrica perfeita. Foi, voltou, riscou, corrigiu, fez, refez, rasgou, reiniciou… e nada melhor lhe apareceu.
Horas depois, a conclusão:
— Há homens que nascem para a crítica e nunca para a inglória criação.
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Mal o sol apontou, Pedro Caiçara já metera léguas na caminhada solitária. Tinha pressa em declarar a sua paixão por Juciara, filha do Coronel Targino.
Mal avistou a cancela da casa-grande, Pedro foi recebido pelos cachorros.
— Quem vem lá? — interrogou do alpendre o velho Coronel.
— Pedro Caiçara, com a paz do Senhor.
Depois de silenciar os cães com um gesto de mão, indagou:
— E o que traz você aqui, homem?
— Quero pedir a sua permissão para namorar Juciara — emendou Pedro, sem se imaginar detentor de tanta coragem.
O Coronel Targino, sem lhe dar uma resposta, fez sinal para liberar a cachorrada.
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A depender do desespero da fome, sabugo é fabulosa iguaria.
Clauder Arcanjo*