O cemitério velho da cidade de Patu

Por Márcio de Lima Dantas

Seguindo de fora a fora na rua Capitão José Severino, até o seu final, antes
de adentrar pela Pça. Padre Henrique Spitz, observa-se, do lado direito, um
muro branco com um portão de ferro escondido entre as casas, eis o que fora,
provavelmente, o primeiro cemitério da cidade, hoje conhecido como
Cemitério Velho.

Embora pequeno, configura-se como um raro conjunto de feições uniformes;
consabido é esse o simbolismo da arte tumular ou funerária. Os vivos erguem
monumentos aos que partiram, homenageando-os, para a lembrança se
perpetuar postumamente, não deixando que as tantas veredas e vicissitudes
do cotidiano ocupem o lugar daquilo que se faz necessário evocar, bem como
marcas indeléveis que durante certas convivências imprimiram virtudes ou
defeitos, orgulhando-se, alguns, por deter vestígios de seus ancestrais.

Não é certo que todos os jazigos ali encontrados detenham aspectos de
quando foram erguidos, sobretudo no que diz respeito ao fato de todos serem
caiados de um imaculado branco, refratador da translúcida luz presente nos
áridos sertões adentro.

A simetria bilateral pode ser apontada como princípio orientador de quase
todos os túmulos. Ao se traçar uma linha vertical no meio do túmulo,
consegue-se dividir o monumento em duas partes perfeitamente iguais. De
uma arquitetura extremamente simples, no qual predominam as linhas retas
e os ângulos de 90º, constata-se um padrão regido por uma lógica triádica.

Com efeito, predominam os jazigos como se fossem caixas cúbicas,
sobrepondo-se, em número de três, sendo que toda essa estrutura queda-se
sobre uma mais larga caixa retangular, assim como se apoiasse todo o
pequeno edifício, simbolicamente lançando para o alto. Há que lembrar o
significado do número três na Bíblia e nos rituais da Igreja Católica.

Evocase a presença da Santíssima Trindade: Espírito Santo, Pai e Jesus. Outrossim,
há que observar os túmulos lançando para o alto sua espécie de escadaria, ao
que parece, sugerindo aquele que se encontra homenageado seu inexorável
caminho em busca do alto, da glória e de uma redenção da realidade, lugar
de dores e atribulações.

O que consideramos como símbolo é uma representação ou discurso que
lança o seu significante para um outro lugar, que não aquele onde está
registrado. Ou seja, na arte funerária busca dizer algo diferente do que se à
contemplação. É uma metáfora: como se fosse uma coisa no lugar da outra,
imprimindo uma eficácia quer seja voltada para a jornada da morte ou
remetendo às imagens ancestrais.

Com efeito, é o caso da presença de uma rosácea em um dos jazigos. Esse
elemento arquitetônico, bastante empregado nas catedrais góticas da Europa,
organiza-se como um rendilhado com quatro pétalas – quadrifólio. O
simbolismo da rosa diz respeito ao caminho espinhoso palmilhado no
decorrer da existência, para, enfim, ascender a uma outra dimensão: a Glória,
no qual se descansa eternidade adentro.

A simplificação das formas dos túmulos do Cemitério Velho assenta-se sobre
um despojamento geométrico das formas, não permitindo que o visitante se
deixe possuir por uma eventual quantidade de elementos que funcionem
como detalhes para adornar; não havendo ostentação ou quaisquer
elementos, remetendo aquilo, para quem contempla, algo que possa conduzir
para seu íntimo, sua subjetividade, deixando-se possuir por emoções ou
excesso de sentimentos. Há muito mais um respeito pela ancestralidade, pelo
memento more, conduzindo-o para uma resignação face à morte. Não
somente compreender que estamos no mundo em caráter provisório, mas que
tudo é impermanente, que tudo se esvai, se esfarela, restando a todos os
sencientes compreender cada dia como um dia a menos. Assim, há que se
adquirir uma atitude resignada, pois não podemos interferir em um processo
integrante da condição humana, resta o dobrar-se face às forças da vida,
aceitando para deter uma melhor qualidade de vida.

Por fim, a antiga necrópole, embora tendo sida arrodeada por casas de
moradores, considerando o crescimento da cidade, restando apenas uma
parte do muro branco com seu portão de entrada, ainda vigora, para um ou
outro que busca a herança dos antepassados, – aqueles assinalados por uma
espécie de necessidade latejante em sua alma – e que por meio da escrita ou
de outras formas de arte, buscam cumprir certas ordens que circulam no seu
sangue, deixando registrado o que o vento do tempo sopra continuamente,
na sua busca de a tudo destruir ou apenas deixar alguns vestígios.

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