Galileu e a carta de defesa

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Ela foi procurada por muitos durante anos. Extraviada nos vastos arquivos da Real Sociedade Britânica, a mais importante entidade científica da história, ela foi praticamente esquecida e dada como perdida, menos para os pesquisadores. E eis que um dia seu paradeiro foi revelado na revista Nature.

Falo da carta do físico, filósofo e matemático florentino Galileu Galilei, escrita em resposta às acusações da igreja católica contra ele no século 17. O texto original da primeira carta que desencadeou outras (na verdade artigos científicos) no processo de heresia que o condenou em 1633.
Na primeira resposta, Galileu repeliu as denúncias, defendeu suas descobertas astronômicas e confirmou sua fé na teoria de Nicolau Copérnico (1473-1543) sobre a Terra girar em torno do Sol e não o contrário. Desde 1616, Roma rejeitava a tese copernicana e somente em 1983 concedeu perdão a Galileu.
A carta foi encontrada em 2018, devidamente reconhecida pelo testemunho do cientista Allison Abbot e depois tendo seu conteúdo inteiro publicado no boletim da Real Sociedade Britânica.
A carta trazia parte da estratégia de Galileu para evitar conflitos mais graves com o Vaticano. Afinal, ele debateu com a igreja, mas sem jamais renegar a doutrina católica. A forma da defesa das suas convicções evitou que fosse queimado como Giordano Bruno.
Antes do achado, o que se conhecia eram sete páginas de parte das correspondências, iniciadas em 1613 e endereçadas ao matemático Benedetto Castelli, da Universidade de Pisa, defendendo a manutenção da pesquisa científica além dos dogmas religiosos e não vendo conflito entre Copérnico e a Bíblia.
O documento estava cheio de alterações e supressões, e a análise indicava que foi o próprio Galileu quem fez. Não foi fácil distinguir o texto original da versão conhecida em que sua queixa era baseada. O astrônomo suavizou a narrativa e devolveu para Castelli assim que o conflito ganhou gravidade.
Por trás da descoberta da carta houve um fato que parecia roteiro de filme juvenil. O jovem historiador italiano Salvatore Ricciardo procurou em bibliotecas inglesas citações das obras de Galileu, quando achou uma referência a uma carta enviada ao matemático Castelli em 1613. Aí viu que achou algo grande.
Ele começou a estudar o caso na Universidade de Bérgamo e depois comunicou à Real Sociedade, que decidiu investigar o tempo em que estava de posse do documento sem que ninguém nunca tivesse percebido. E se chegou à conclusão que a missiva de Galileu estava ali há 300 anos. Desde 2018 que eu espero um bom filme sobre o gênio de Florença.

Publicado na Tribuna do Norte em 09.05.24

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