PÍLULAS PARA O SILÊNCIO (PARTE CCCLI)

 

                                                                         Clauder Arcanjo*

 

Noturno carioca

 

Tombo aqui neste quarto de hotel: o banho não refresca o calor da minha saudade, a cama não me descansa, os lençóis não me confortam.

Abro a janela e procuro pelo Cristo Redentor, mas ele hoje não abre os braços para mim.

De repente o relógio de uma igreja próxima marca as horas no Centro do Rio: som cavo. Será que o bronze tem o tom da melancolia?

Com esta interrogação, eu me esqueço da minha tristeza, e a mente se entrega a um vagar sem rumo.

Na cabeceira, dois livros fechados: uma biografia-reportagem sobre Delmiro Gouveia, o homem que implantou as primeiras sementes da industrialização no Nordeste brasileiro; outro reunindo as cartas de Alceu Amoroso Lima para sua filha madre Maria Teresa, no período mais sombrio da ditadura militar brasileira, anos 1968-69. Resolvo deixá-los quietos.

Ouço um batuque distante. Um surdo, uma cuíca e um cavaquinho a quebrarem a pasmaceira da noite insípida.

Ao descer para o jantar, percebo que o Real Gabinete Português de Leitura fica acerca de duas quadras daqui. Lá Machado de Assis se entregava aos clássicos, e hoje eu me entrego a uma solidão profunda.

Tento dormir, mas a insônia me perturba, chamando-me para conversar sobre obras, sobre as lembranças de Licânia, ou me trazendo à memória amigos distantes, com os quais não mantenho contato há bastante tempo.

Com pouco, o telefone:

— Clauder Arcanjo?

— Amigo Valter! Como está a Bahia? E o seu Bahia indo bem no Brasileirão, hein!?

A noite se ilumina, o riso volta à minha face, o banzo cuida de sair janela afora… O mundo apresenta-me uma aura de alegria. Artes do filho de Feira de Santana.

Fim da ligação. Retorno aos lençóis e, desta feita, tudo me traz uma paz singular.

Dirijo os olhos à cabeceira. Decido ler algumas páginas das cartas de Alceu e outras da biografia do Delmiro Gouveia, romance-reportagem de Cláudio Said.

 

& & &

 

Instantes depois Bandeira ecoa lá no fundão das terras do quase esquecimento com um trecho do “Noturno da Rua da Lapa”: Não posso atinar no que eu fazia: se meditava, se morria de espanto ou se vinha de muito longe.

Dormi profundamente e sonhei com a minha amada Biscuí.

 

*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.

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