Bimbo

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Nova Cruz – Região Agreste Potiguar – Anos 1950 – No centro da quadra escaldante o padre árbitro ia formando os dois times para uma partida de basquete.

Um dos jogadores do time desafiante desconfiou dos elogios enfeitados de tendência do árbitro, gordo e patusco, ao time adversário.
Sem que vossa senhoria percebesse, Leonardo Arruda Câmara, o menino arisco, puxou a bermuda do árbitro até os joelhos. O apitador ficou de cuecas(samba-canção) ao sol. O jogo nem chegou a começar.
O ABC me fez amigo de Leonardo, o Bimbo, sonoridade dos dois bês, também meu apelido de infância. “Hum, tudinho, hein?”, cacoetes que acompanharam a vida inteira do dirigente de futebol mais boa-praça e astuto do Rio Grande do Norte.
O ano era o de 1981, papai que sei ter algum parentesco com Cristóvão Colombo, Pero Vaz de Caminha, Américo Vespúcio ou os astronautas da Guerra Fria. Papai não ficava sossegado em canto algum, preferindo o ideal e transformando a família em saltimbancos chorosos e derrotados óbvios.
Ainda havia para mim Rita Lee e a sede de Morro Branco, com um imenso campo de treinamentos na parte traseira. Frequentei, a partir de 1981, a sede social de imensos lençóis de dunas com um outdoor sinalizando a construção da futura Vila Olímpica do ABC.
Venho desse tempo, tenho 53 anos e vou perdendo amigos a ponto de temer o pior: ser deslocado para a inexistente editoria do obituário, desvelando os falecidos notáveis.
Tenho certeza de que Bimbo não queria morrer agora, claro que ninguém quer morrer nunca, mas Bimbo em seu andar de tombadilho, em seu sorriso maroto e na formacão de rodinhas sobre pebolismo em qualquer solenidade, emprestava à vida o jeito sereno do moleque traquino que nunca deixou de ser.
Em 1981, junto com o agora também saudoso Edson Teixeira, conseguiram montar um ABC de quinta categoria, auxiliados por Rubens Lemos Pai e alguns conselheiros e integrantes.
Para se ter uma noção da pobreza abecedista, foram buscar Alberi no interior cearense, aos 36 anos, uma sombra do que havia sido, mesmo que, em esporádicos jogos, tenha encantado o garoto(eu) que chorava diante de tantas derrotas.
Time-base do ABC naqueles tempos: Caetano; Dão, Joel, Cláudio Oliveira e Betinho(Escurinho); Gelson(Arié), Neto e Noé Macunaíma(Alberi); Tinho, Mirandinha e Peri.
Além da raiva, esse time em terceiro lugar e, pela primeira vez, o ABC ficara fora de disputar o Campeonato Brasileiro. O América obteve seu primeiro tricampeonato e o segundo lugar ficou com o Baraúnas de Mossoró.
Erámos frangalhos. Leonardo fazia vales, bingos, vendia carros sem que a esposa, Graça, percebesse como se um imã o puxasse estivesse onde estivesse a sede do ABC.
Evitou guerras internas – um grupo de elite queria demitir o presidente Edson Teixeira, sujeito de classe média. Todos de olho no patrimônio de Ponta Negra, onde décadas depois seria erguido o Frasqueirão em 2006.
Bimbo me chamava de Bimbo e eu a ele, porque tínhamos os mesmos apelidos infantis. Nos anos 1990, com ele presidente e eu na assessoria de imprensa mais bem paga do país(era remunerada à base de elogios), foi o primeiro tricampeão alvinegro no Machadão com craques.
Vejam esses bagulhos de Série C e comparem com Danilo Menezes, Dedé de Dora, Marinho Apolônio, Odilon, Sérgio China, Sérgio Alves(sim, quem trouxe Sérgio Alves foi Leonardo Arruda Câmara), Adilson Heleno, Cláudio José, Quinho Paulista, Geraldo e tantos outros amigos da bola.
Ao escrever ainda sob o impacto da notícia da morte de Leonardo Arruda Câmara, busco a lembrança que comigo puxámos pelo fio invisível da memória. O bicampeonato de 1994, que ele não pôde ver a final para ser operado de vesícula no antigo Hospital Médico-cirurgião.
Depois da cirurgia, todo cheio de analgésicos, foi logo avisado pelo maqueiro: ABC 3×1! A gente é bicampeão. Sem Bimbo, o futebol perde o sarcasmo, a ironia fina e um amor ao ABC maior que o Frasqueirão.

Transcrito da Tribuna do Norte 15.05.24

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