Por que o sistema contra cheias não funcionou em Porto Alegre

Na região central de Porto Alegre, a inundação demora a recuar. Depois do pico da enchente atingir o recorde histórico de 5,3 metros em 5 de maio, algumas bombas entraram em operação, mas ainda há poucas áreas secas.

O aeroporto Salgado Filho segue alagado. No Mercado Público, bancas que sofreram com a cheia de 1941, até então a pior da história, ainda estão submersas. A marca que indicava onde o nível da água chegou naquela época dentro do centro de abastecimento mais antigo do Brasil, fundado em 1869, foi superada em quase um metro pelas chuvas deste ano.

O prédio está a poucos metros do muro da Mauá, um paredão de concreto de seis metros – três deles enterrados no solo. Ele faz parte de um sistema de proteção construído para poupar a capital do Rio Grande do Sul de inundações de até seis metros. Mas no momento crucial, a estrutura fracassou.

“O sistema falhou miseravelmente”, lamenta Walter Collischonn, professor de engenharia ambiental e engenharia hídrica na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

“Como hidrólogo gaúcho, esse fracasso me envergonha”, diz.

O projeto foi feito pouco mais de duas décadas depois da grande enchente. A execução começou no início dos anos de 1970. A arquiteta Lígia Bergamaschi Botta ingressou na secretaria municipal de planejamento urbano em 1969 e diz que a obra veio na sequência de um aterramento, que “ganhou” mais área para a zona central.

“O prolongamento da faixa de terra se deu numa costa baixa, com plano de construção de parques, prédios comerciais e de serviços públicos”, diz Botta.

O sistema combinava uma série de obras de infraestrutura que formariam um anel em torno da parte mais urbanizada à época e com perspectiva de expansão. Foram projetados 68 quilômetros de diques para barrar a água que transbordasse do rio Jacuí e do Guaíba. Novas avenidas e estradas surgiram sobre os diques.

No meio do caminho, estava a antiga avenida Mauá. A solução para fechar o anel de proteção foi construir um muro de pouco mais de dois metros de extensão todo de concreto para suportar a carga trazida por uma cheia. Ele tinha portões – para permitir a passagem de um lado para o outro – que seriam lacrados com chapas de metal para barrar a entrada da água em caso de alerta de inundação. O projeto previa ainda 20 casas de bomba para jogar para fora do anel de proteção água e esgoto em excesso que entrasse na cidade.

“As falhas se deram nos pontos de abertura do muro. A água passou por cima em alguns pontos. As comportas não foram bem vedadas. E no momento crucial não teve energia elétrica para bombear água de dentro para fora do sistema. Foi um descuido de décadas”, analisa Collischonn.

Apesar das falhas, a ausência do muro da Mauá teria provocado ainda mais perdas, avalia Botta. Nos últimos anos, a estrutura projetada para funcionar como uma cortina de proteção era o centro de uma campanha para sua demolição. O atual prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, sugeriu em vários momentos a sua destruição alegando que o paredão atrapalhava a vista do Guaíba.

“Era um bombardeamento de grupos interessados em derrubar. Se ele fosse destruído, todo o sistema seria anulado”, adiciona Botta.

O SUL

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