O VELHO PROFESSOR

                                                     Clauder Arcanjo*

Para Alder Teixeira

— Bom dia, senhoras.
— Bom dia.
Quando o velho homem se distanciou, uma delas perguntou:
— Quem é, dona Juliana?
— Falemos baixo. É um professor aposentado, mora aqui perto.
— Parece abatido, os passos lentos…
— Antes ele não era assim, acredite, mas a aposentadoria… nunca mais
foi o mesmo.

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Chegou, tirou o paletó, colocando-o em uma das cadeiras da mesa.
Ligou o aparelho de som, escolhendo uma ópera de Verdi.
Ao entrar no quarto, sentou-se na poltrona de leitura e tirou os sapatos,
a fim de ficar mais à vontade com o chinelão de couro.
Na sala, a abertura trouxe-lhe à lembrança a última aula acerca das
artes musicais.
A voz de uma aluna ressoou na memória:
— Por que a ópera Rigoletto foi considerada imoral? Não entendo.
Voltou-se para responder, porém o tenor, no papel do Duque de Mântua,
calou-lhe os argumentos.
“Quem se importa com isso quando tanta beleza se revela assim!”,
pensou.
Ao dirigir-se para a cozinha, o ambiente doméstico estava envolvido pela
mestria da primeira ária. Ao pegar na caneca de porcelana, sentiu uma emoção
estranha, como se o corpo se entregasse a uma saudade tão forte que o
levava a sentir-se um pouco zonzo. Seria um mau pressentimento?

 

Abriu a gaveta da cômoda. Lá, entre contas de luz e água, a prova que
aplicara no final do semestre.
— Merecida aposentadoria, professor. Pensei que nunca entenderia
bem essas coisas clássicas. Devo muito ao senhor, entende?
Sorriu: a jovem o beijara na face enrugada. Levou então a mão ao rosto.
“Não há de quê, cara aluna. É o nosso ofício.”
Pega do papel, senta-se na poltrona. Antes aumenta o som na antiga
vitrola.
Eu odeio lealdade
Ela é uma enfermidade
Fecha os olhos, e Verdi reinando absoluto.
Fora com você, velho
Seu destino está selado

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— Bom dia, seu padre.
— Bom dia, senhoras.
Antes de o féretro se afastar, uma delas indaga:
— De quem se trata?
— Um velho professor. Foi encontrado morto. Residia aqui bem perto.
As duas mulheres fazem o nome do Pai em honra do esquecido mestre.

*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-
grandense de Letras.

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