Agosto que abalou o mundo

@alexmedeiros1959

Agosto vem aí e os ventos de todos os quadrantes soprarão empurrando milhares de fãs dos Beatles para a cidade-manjedoura do quarteto. É tempo de mais uma edição do Festival BeatleWeek, quando durante uma semana só se toca e se ouve em Liverpool as canções deles. E há outra coisa que faz de agosto um mês importante na historiografia da beatlemania.

Vai fazer 60 anos de um dos mais venturosos e inventivos encontros da história do século XX. Na noite de 28 de agosto de 1964, no Hotel Delmonico, situado na charmosa Park Avenue, em Manhattan, Nova York, a mítica banda britânica recebeu a tão esperada visita do cantor e poeta Bob Dylan, o guru de todos.

Os Fab Four tinham acabado de se apresentar no Forest Hill Tennis Stadium, no distrito Queens, enquanto Dylan voltava de uma atividade na vila de Woodstock, a mesma que dali a exatos cinco anos consolidaria mundialmente o espírito hippie com um inesquecível festival.

No carro de Bob Dylan vinha o jornalista All Aronowitz, o cara que cobria desde os anos 1950 a geração beat e entraria para a história como pioneiro nas reportagens sobre rock ‘n’ roll. No ano anterior, durante a primavera de 1963, Aronowitz foi a Londres entrevistar John Lennon para o Saturday Evening Post.

Foi ele quem primeiro ouviu a confissão dos Beatles sobre o desejo de conhecer Dylan, se bem que não com a mesma vontade e idolatria que já haviam manifestado a respeito de Elvis Presley e de Cassius Clay. O jornalista armou o encontro e conduziu o autor de “Blowin’in the Wind” ao hotel.

Depois de atravessar corredores e corrimões apinhados de policiais, que protegiam os Beatles da paixão em fúria das groupies (legiões de adolescentes em combustão), Dylan adentrou a suíte do grupo e depois foi convidado pelo produtor Brian Epstein a continuar o encontro no living.

Diante da oferta líquida, pediu vinho barato, demonstrando a já esperada cultuada arrogância, uma característica jamais abandonada. E reforçou quando alguém sugeriu a ingestão de “bolinhas”, os comprimidos estimulantes muito em voga naqueles tempos. Ele e o jornalista demonstraram total rejeição.

Diferente dos Beatles, que consumiam as pílulas como forma de manter o pique das intermináveis turnês, Bob Dylan refutava estímulos químicos; era mais chegado a algo mais natureba, como uns baseados de maconha. E foi isso que ele ofereceu como alternativa à oferta anterior, assustando o grupo.

Com seu ar de tio patrocinador, apesar de pouco mais velho que os garotos, Brian Epstein respondeu por todos, informando que nenhum deles jamais tinha fumado marijuana. O menestrel do folk rasgou a cerimônia e acendeu um finório, apresentando o estimulante orgânico, presente da mãe natureza.

Os registros e testemunhos dão conta que Dylan achava que os Beatles eram velhos consumidores de maconha, pois ao ouvir I Wanna Hold Your Hand (primeiro hit a estourar na América) ouviu algo como “I get hight” (eu fico chapado) e não o original “I can’t hide” (eu não posso esconder).

Todos caíram em gargalhadas quando Lennon aos gritos tentava explicar ao novo amigo que a letra dizia outra coisa e não “a coisa” entendida por Dylan. O episódio serviu para criar um código entre eles: sempre que iam fumar um beck, quem fazia o convite dizia com fina ironia “vamos sorrir um pouco?”

Aquele foi um encontro que mudou a cara do rock ‘n’ roll e do folk, posto que tanto Dylan influenciou a pegada musical e a construção poética dos quatro, quanto os Beatles provocaram sua adesão à sonoridade elétrica das guitarras. Na soma de tudo, os cinco produziram o melhor em forma e conteúdo de toda a história da música pop, aquela que é hino das gerações que sacudiram o planeta. Naquele agosto, no Brasil, Ferreira Gullar escrevia “Digo adeus à ilusão / mas não ao mundo / mas não à vida / meu reduto e meu reino”.

Publicado na Tribuna do Norte

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