Credo
Clauder Arcanjo*
(“A Justiça”, de Giorgio Vasari)
E crê no bem! inda que, um dia,
No desespero e na agonia,
Mais desgraçado que ninguém,
Te vejas pobre e injuriado,
De toda a gente desprezado,
— Perdoa o mal! E crê no Bem!
(Poema “O Credo”, de Olavo Bilac.)
Não sei de onde vim. Aqui estou, e o instante me basta. Há nos meus olhos apenas a poeira da estrada. Na mente, lisa como um lago, nenhum resquício do passado.
O que houve? Apesar da incerteza, não me inquieto. Sereno, sento-me à beira da estrada e, de quando em vez, os transeuntes me saúdam ao cruzarem comigo em passos rápidos. Aonde irão? Ou estão voltando?
Percebo que a mente vazia se enche de indagações. Como se não conseguisse permanecer oca; como se atraísse coisas que antes não me pertenciam. Ou apenas estavam silenciosas dentro de mim?
Não busco as respostas. Fecho os olhos e tento vagar no silêncio do momento. No entanto, de tempo em tempo, escuto um piar estranho numa copa de árvore próxima.
— O que será?
Subo na árvore e, dentro de um ninho que julgo abandonado, um filhote bate as asas, piando ansioso.
— Calma, rapazinho!
Ao tentar passar a mão sobre a cabeça do passarinho, ele se rebela com a minha proximidade, bicando-me com o máximo de suas forças.
— Ai, ai!
Aquela dor me traz uma revolta com ímpetos de fúria. Enrolo a minha direita em um pequeno trapo que sempre trago no bolso e tento removê-lo do ninho.
Nesse exato instante as garras de uma mãe-passarinha me atingem na altura da nuca. Solto o filhote e me volto para me defender. Sem tréguas, a ave me ataca seguidas vezes. Protejo os olhos com as mãos e, ao tentar descer, perco o equilíbrio e… caio.
— Ai, ai!…
Um garoto que a tudo observara se aproxima de mim e dispara:
— Você não tem vergonha, meu senhor?! Querer roubar o filho de uma mãe!
— Mas, eu só…
Fui lento na resposta. Pouco depois outros meninos juntaram-se ao protesto. De início, com palavras. Em seguida, com ataques físicos. Entre pedradas e palavrões, ganhei a mata fechada.
Meia légua depois, recobrei toda a memória. Tudo retornava à minha consciência:
— Credo!
E, deveras envergonhado, resolvi voltar para o lugar de onde vim.
*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.