Clauder Arcanjo: Mulheres Fantásticas (XII)
A Mulher Porta
Clauder Arcanjo
— Não bata, ela odeia quem bate!
— Mas… eu apenas vou bater na porta, amigo!
— Aguardemos aqui fora, acredite em mim! Sem bater, certo?
Assis me conduzira até aquela casa distante, em busca de localizarmos Helena. Ela, há dias, não ia a nossa residência, e eu resolvi ter com ela. Professora particular dos meus filhos; em especial, o pequeno reclamara muito da sua falta.
— Faça os seus deveres, Batistinha!…
— Sem Helena, pai, a matemática é um suplício.
Graça, minha esposa, tocara-me para a rua, a fim de saber do paradeiro da professorinha. “Antes que os meninos caiam de desempenho, homem! Vá!, e veja se nos traz ela de volta, entendeu?”
Como eu recebera a indicação do seu trabalho através do meu amigo Assis, tive que recorrer aos seus préstimos:
— Preciso localizar a professora Helena, amigo. Faz dias que ela não aparece, você sabe onde ela mora?
Ele me olhou, coçando o alto da cabeça, e, com pouco, me respondeu, laconicamente:
— Bom… sei… mas…
Captei em seu rosto algo estranho, como se fosse invadido por um assomo de medo.
— Vamos comigo lá! — supliquei.
***
E, agora, estávamos perante aquela residência. Sem campainha, e com o pedido de Assis para aguardar, sem batidas à porta.
— Saiu?
— Não, tenho certeza que não. Vamos dar um tempo. Melhor, daremos uma volta.
Confuso, e sentindo meu amigo embaraçado, saímos. Na esquina seguinte, uma pequena mercearia. Ocupamos uma mesa ao canto, e, após tomarmos um refresco, Assis resolveu se abrir comigo:
— Ela me garantiu que havia se curado. Não sei o que houve, pode ter sido uma recaída.
— Curada? De quê? Assis, eu não estou a entender nada! A professora Helena sofre de alguma doença, e você não me disse?
— Bem, doença… não. Ou…
— Ou se está doente ou não, Assis!
— Nem sempre tudo é tão direto e exato assim, amigo. Tenha paciência e escute o que vou lhe contar; mas, antes, me prometa que manterá tudo em segredo. Até se resolver dispensar os serviços dela. Me promete? — implorou-me Assis, enquanto cofiava o bigodinho ralo.
— Tá, tá bom, desembuche logo! — concordei, com vontade de pôr tudo às claras.
E, naquele fim de tarde, fiquei sabendo do drama da jovem Helena. Um mistério tão esquisito que, de início, tomei-o na conta da troça.
— Madeira que cupim não rói?!… — interrompi-o, quando ele encerrou seu relato.
— Não brinque. Helena sofre desse drama desde que viajou para a Amazônia e, chegando lá, fez pouco de uma velha benzedeira que se disse casada com uma maçaranduba. A praga da porta.
***
Início da noite, voltamos para a rua de Helena, porém ainda encontramos tudo trancado.
— E se eu passar-lhe o machado, será que ela sangra? — brinquei.
Ouvi uma espécie de rangido na porta.
— Você nem brinque com isso! — respondeu-me Assis, quase em pane, enquanto se benzia.
***
Dois dias depois, Helena reapareceu. Fez festa com Batistinha e revisou todos os pontos da escola de nossos filhos.
Ao sair, chamei-a ao canto, a fim de acertar as contas.
— Tudo certo, professora Helena?
Notei que ela tremia a mão a segurar o cheque assinado; só então me dei conta do porquê: meu sobrenome era Machado.
Clauder Arcanjo