Clauder Arcanjo: Pílulas para o Silêncio (Parte CLXIV)
Clauder Arcanjo*
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(A verdade saindo do poço, de Jean-Léon Gérôme)
De dia, uma carta aberta com loas aos donos do poder. À noite, uma oração clemente aos donos do Céu. Para uns, um homem pragmático de ofício; para outros, um cidadão, in extremis, a serviço de Deus.
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— De onde tu trazes tanta volúpia?
Useiro e vezeiro desta pergunta. Levava-a na algibeira, assacando-a em qualquer situação.
Certo dia, cercado de reles asseclas, soltou a revelha interrogativa em meio ao assunto em pauta.
Um adolescente que por lá passava, ao ouvir a sentença, exaltou:
— Este homem falou igualzinho a uma personagem feminina de um livro erótico que li ontem.
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Na faina dos impuros, ele sempre se mostrava o mais recolhido e tímido. Na sanha dos ingratos, apresentava-se cordato e reverente aos que lhe serviam. Na lógica dos incensados, apiedava-se dos que outorgavam-se meritórios, a revelar-se na condição de eterno aprendiz.
Semana passada, a notícia: ele foi sumariamente expulso da confraria, julgado como um ser mesquinho e sem nenhum escrúpulo.
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— Não percamos tempo, a vida urge.
— Mas eu não estou preparado…
— O mundo está imerso em uma onda em eterna mudança.
— Eu não sei nadar e…
— Jogue-se n’água, o hábito faz o monge.
— Glu… glu… Socorro!, glu… glu… estou morrendo afogado.
— Seu reino por uma boia. Desculpe-me, nada posso fazer, eu também nunca aprendi a nadar.
— Glu… glu… Seu filho de uma ég… glu…
— Coitado, morreu. Mas se mostrou um bravo, pois morreu lutando.
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Uma mentira na rua vale uma risada. Uma mentira na religião, a depender do tamanho do milagre, vale um dogma. No entanto, uma mentira propagada pelos homens da corte vale… Apenas uma mentira. Ou seja, nada vezes nada.
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Queria ser escritor sem ler os grandes mestres.
— Terei a escrita pura.
Ele continua até hoje na condição de puríssimo, detentor de meras páginas brancas.