Pílulas para o Silêncio (Parte CLXVIII)
Clauder Arcanjo*
(Criação de Adão, de Michelângelo)
Rezava com a fé e os lábios tão murchos que suas preces não chegavam aos Céus. Mas se o assunto era a vida alheia, os pulmões se enchiam de força e de vida, e toda a província se incomodava com suas pragas e julgamentos levianos.
Quando ela foi enterrada, numa manhã chuvosa e riscada por relâmpagos, a terra de Licânia no mesmo dia a devolveu.
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— Para quem tanto rezas?
A pequena mulher nada dizia; cabisbaixa, colocava todos nos seus rogos e nas suas intenções.
— Por que, ao invés de rezares, tu não descansas? — indagou-a.
Naquelas indagações, com ares de sabedoria, ele mostrava-lhe um pragmatismo moderno. Em seguida, observou:
— Minha senhora, minha nobre senhora! A fé te cansa, não cabe mais tanta prece no Além. Deus já deve estar farto de teus rosários!
Ela, cabisbaixa, resolveu tirar um terço pela alma daquele homem.
— Pai nosso que estais no Céu…
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Na curva da estrada, o telhado da casinha verde. Ao chegar, no barro antes da calçada, as marcas de umas botas novas, diferentes.
Coçou a barba rala, e gritou para dentro, a voz embargada:
— Maria, ele voltou?
O choro dela, misturado com o riso, deu-lhe a notícia tão esperada.
A raiva pelo sumiço dele evaporou-se da mente turva; e, com os braços trêmulos, o velho sentou-se na varanda:
— Ele voltou, ele voltou!
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— Precisa acreditar na ciência.
— Meu senhor, eu…
— A razão golpeou a tirania da escuridão e ofertou à humanidade o halo luminoso da vida plena. Concorda comigo?
— Eu? Eu não…
— Não sejas adepto das torpes bruxarias. Por favor, isso não!
— Eu sou apenas…
— Não entendo como ainda resistes ao império da lógica. Banimos a Idade Média e já irrompemos na pós-modernidade. Não me digas que não sabias?!
— Meu senhor, eu sou o leiteiro. Quer ou não quer o seu leite hoje?
— Sim, como dois e dois são quatro.
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Era mestre em descobrir descuidos nos textos alheios. “Ah, comeu aqui uma vírgula!”
Em cada descuido, um prazer indizível. “Esqueceu neste caso de levar o substantivo para o plural!”
Quando resolveu estrear em livro, optou por fazer uso de um pseudônimo:
— Você pensa que vai escapar de mim, meu pseudônimo?!
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Nobre é aquele homem que recua um passo para dar a vez a um desfavorecido, que elogia a nobre intenção fazendo vista grossa para o resultado obtido. Enfim, que consegue sonhar com a chuva até nos dias em que o verão se anuncia como reino do infinito.