PÍLULAS PARA O SILÊNCIO (PARTE CXCVIII) – Clauder Arcanjo
Lourival era amigo da natureza. Orgulhava-se de ter domesticado vários animais: cobras, jacarés, lobos-guarás.
Mas nunca — suprema ironia — conseguira amansar a fúria da Constantina.
— Onça que não aceita o comando de nenhum homem — lamentava-se.
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Ondina salpicava os braços com a água recolhida do mar.
— Seja dona do meu corpo, deusa dos oceanos!
Alimentava, dentro do peito amoroso, o sonho de ser a sereia do bom Ulisses.
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Ao avarento e ao pobre, uma característica os une: a geladeira de ambos só se presta a guarda-roupa de água potável.
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Dalmácio subiu ao cume do Serrote da Rola, na intenção de lá se sentir mais humilde (assim prometera à namorada Gertrudes).
— Que bela província! — suspirou do alto.
Ao descer, por entre passadas firmes, apresentou-se à noiva, a proclamar-se:
— Eis-me aqui, amada Gertrudes, o novo Imperador de Licânia!
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Pendurou um brinco de pérola e correu os becos e ruas da cidade em busca do seu Vermeer.
Tarde da noite, ela retornou. Sem pintura, com os cabelos em desalinho, e sem o seu adorno na orelha.
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Desceu à profundeza dos seus segredos; para, de lá, ressurgir assombrado com o peso da arca dos seus recalques.
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No novenário dos oprimidos, uma simples oração é, muitas vezes, saudada como se o próprio Evangelho; e, louvada e bendita, como se cumulada com as graças da Boa-nova.
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No espelho da alma, a imagem mais fiel geralmente é a renegada. Por a julgarmos não representativa dos nossos “méritos”.
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Cesareia invadiu as carnes de César com um amor tão imperial que resolveu batizar a primogênita, nas águas do Rubicão, com o nome de Júlia Romana.
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Saíram da disputa após um acordo justo.
E seguiram na vida matrimonial, mais separados do que nunca.
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A arte da beleza quase sempre se revela no engenho da dor.
Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.