O ofício de escrever para jornais – Geraldo Maia

Colaboro com o jornal “O Mossoroense” desde o dia 9 de maio de 1999, quando publiquei o meu primeiro artigo intitulado “Sal. Petróleo e Liberdade”, no Caderno 2, um encarte cultural do jornal que saia aos domingos. Desde então tenho publicado, semanalmente, fragmentos da história de Mossoró. E por muito tempo me atormentou a ideia de que esse meu trabalho era inútil, por não saber se ele era lido ou não, se deveria ou não continuar com minhas pesquisas. E costumava me perguntar: será que esse sentimento também atinge outros escritores? Até que um dia li um artigo de jornal publicado em 25 de setembro de 1943 por Luís da Câmara Cascudo, em sua coluna “Actas Diurnas”, denominado “O Tonel das Danaides”, que me fez mudar de opinião.

Segundo Cascudo, “as Danaides eram as cinquenta filhas de Danao, rei de Argos. Seu irmão, Egito, tinha cinquenta filhos. Mandou a filharada masculina casar com as primas. Danao não queria o casamento. Combinou com as filhas um plano. Os cinquenta recém-casados tiveram a mais estranha noite de núpcias de que há notícias no mundo. Foram todos assassinados pelas esposas. Só escapou um, Linceu, poupado por sua mulher, Hipernestra.

Júpiter condenou as Danaides às penas do Tártaro, que era o inferno daquele tempo. As Danaides enchiam um tonel sem fundo. Séculos e séculos, sem pausa, sem descanso, sem interrupção, as moças carregaram água, despejando-a no barril furado. Teodoro de Banville contou o fim dessas Danaides, na Lanterna Mágica. Os Titãs venceram os Deuses. O Tártaro ficou sem chefe, despovoado de sofredores, todos perdoados. Astério anuncia a terminação da sentença:

– Acabou vosso suplício. Largai essa penitência. O tonel está cheio.

As Danaides pararam, pela primeira vez, há milênios. Enxugaram a fronte, descendo as bilhas infatigáveis. E dizem confusas e desapontadas:

– Está cheio o tonel? Pois bem! Que havemos de fazer? Já estavam habituadas com o trabalho contínuo, mesmo inútil. ”

Depois de contar essa lenda, Cascudo conclui seu artigo com uma sentença clara e para mim muito reveladora: “Não perguntem, pois, amigos, por que escrevo sempre, com ou sem leitores, com ou sem compreensão, estímulo ou tolerância. Deixem-me com o meu barril sem fundo. A tarefa finda significaria o repouso incômodo, a displicência, a preguiça mortal. Por isso, mesmo sem ter ofendido Apolo, encho, obstinado e tranquilo, a talha imperfeita, escondido num recanto de província. Quando não mais ouvirem o rumor da água agitada, não se dirá que Júpiter sucumbiu. Será que, para sempre, desfaleceu na Morte, o braço humilde do trabalhador… “

Depois que li esse artigo passei a refletir: se um grande mestre como Cascudo tem esse tipo de sentimento, porque eu, um simples aprendiz, devo desistir? Passei então a encarar esse pensamento como uma lição de vida. “Deixem-me com meu barril sem fundo”. Tomei novo ânimo para as pesquisas.

O ano que passou foi diferente em todos os sentidos. Por causa da pandemia, não havia opção para novos divertimentos, viagens ou coisas afins. Tivemos que permanecer em casa, recebendo o mínimo possível de visitas, aprendendo a nos relacionar através das redes sociais. Com tempo sobrando, passei a escrever mais e colaborar com jornais, revistas e blogs, chegando até a criar um canal no YouTube para melhor divulgar as minhas histórias. Transformei o ofício de escrever em terapia ocupacional. E isso me deu muito prazer. Produzi nesse período, além dos artigos para jornais e revistas, três livros que totalizaram quase mil páginas de história e que estão prestes a serem editados. Um já se encontra na gráfica e os outros estão aguardando oportunidade.

Por tudo isso já não me preocupa o fato de ser lido ou não, de ser compreendido ou não, de ser incentivado ou não. Nesse sentido ouso copiar o mestre quando diz que mesmo sem ter ofendido Apolo, encho, obstinado e tranquilo, a talha imperfeita, escondido aqui nessa terra de Santa Luzia do Mossoró.

 

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