DIA DA PÁTRIA

Nilo Emerenciano - Arquiteto e Escritor.

Dias antes do dia 7 de setembro nós, alunos do Colégio Salesiano São José, já ensaiávamos para o desfile do feriado que se aproximava. O toque da corneta e o rufar do tarol mexia com o nosso incipiente patriotismo. Estufávamos o peito, erguíamos o queixo para o alto e acertávamos o passo com o bater do bumbo. Houve um ano em que fiz questão de desfilar na minha bicicleta. Comprei papel crepom verde e amarelo além de duas bandeirolas e levei a tarde a enfeitar as rodas da bike. O dia seguinte foi glorioso. Subimos todos em pelotões a Avenida Junqueira Ayres, dobramos na Ulisses Caldas e fomos brilhar na Prudente de Moraes.  Que alegria! Que prazer! A manhã era ensolarada e linda e o mundo se oferecia ao nosso alcance.

Depois era ver passar as várias forças. Minha predileta era a Aeronáutica, mas o hino (ou dobrado) mais bonito era sem dúvida o dos Fuzileiros Navais. “Qual cisne branco que em noite de lua/vai deslizando num lago azul/ o meu navio também flutua/ nos verdes mares de norte a sul”. Olho pregado nas armas brilhantes, eu pensava um dia estar entre aqueles soldados que estavam prontos a defender nosso país e encher o peito de faiscantes medalhas.

Bons tempos. Orgulho de ser brasileiro. O céu mais azul, com certeza, era o da nossa terra varonil. E ai de quem nos ameaçasse, pois se a Pátria amada fosse um dia ultrajada, lutaríamos com fervor. Mas não havia ameaças no horizonte. Ainda.

A vida vem em ondas como o mar. E às vezes ondas fortes, vagalhões. Os tempos mudaram. Um dia a nossa casa amanheceu cercada. Meu pai havia sido presidente do sindicato e o endereço que constava nos órgãos de segurança era o nosso. A farda que eu admirava passou a ter uma conotação ameaçadora, acima da minha compreensão de garoto.

Entre uma e outra onda aprendi que o conceito de patriotismo, bem como vários outros conceitos, tem variadas formas de ser visto e se presta a diferentes finalidades, até a de Samuel Johnson ao afirmar que “o patriotismo é o último refúgio do canalha”.

Mas aprendi também a amar a minha pátria em diversas circunstâncias. E a ter orgulho do que ela, ou eles, os brasileiros, representam. Como não vibrar com aquele canoeiro solitário, remando como um possesso à frente das grandes potências do esporte? E a jovem em braçadas firmes, decididas, ritmadas, peixe entre peixinhos, rumo a uma medalha de ouro? Há como esquecer o lutador de box que em três assaltos derrubou com um cruzado certeiro e demolidor o rival ucraniano, e ao fazê-lo, com certeza, esmurrava  um mar de dificuldades de toda ordem. Tal como Darlan Romani, 4º lugar em arremesso de peso. Sua medalha, meu querido Darlan, é de um metal superior ao ouro. Darlan lutou contra a Covid, a falta de técnico, uma cirurgia de hérnia e as más condições dos treinos realizados em um terreno baldio próximo a sua casa.

Tudo isso sem falar no nordestino corredor de paralimpíada que, chapéu de couro na cabeça, comemorou a vitória dançando um xaxado.

Ah, e um dia tivemos Éder Jofre, Maria Esther Bueno, as seleções de futebol, o rei Pelé, o inacreditável Garrincha, Ayrton Senna do Brasil, João do Pulo, Guga. Além dos anônimos vitoriosos de cada dia, que balançam nos ônibus lotados, enfrentam filas nos postos de saúde, correm dos assaltantes e vêm o dinheiro acabar antes do fim do mês.

Por isso me incomoda o que fizeram do dia 7 de setembro. Ao invés de uma festa cívica com dobrados e fanfarras, soldados a marchar, colégios e escoteiros em ordeiro desfile, viu-se uma nação artificialmente dividida, com as pessoas recolhidas em casa, temerosas de sair às ruas. O que deveria ser comemoração foi transformado em confronto, ameaças, insultos e provocações. No lugar da esquadrilha da fumaça um helicóptero pairando como uma ave de mau agouro sobre a Praça dos Três Poderes. Onde deveriam estar nossos heróis, um chefe de governo fazendo um ridículo (e perigoso) papel.

Espero que não contem a minha autorização, pois de forma alguma eu autorizei. Nem autorizo.  O Dia da Pátria é de todos nós e espero vê-lo resgatado o mais breve possível.

 

NATAL/RN.

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