NOSSOS POETAS: Theo G. Alves
Theo G. Alves é poeta, escritor e fotógrafo. Nasceu em dezembro de 1980, em Natal/RN, mas cresceu em Currais Novos/RN e mora em Santa Cruz/RN. Foi premiado, tanto por sua prosa quanto pela poesia, em concursos nacionais, como o prêmio de contos Ignácio Loyola de Brandão, e locais, com destaque para contemplações do último edital da lei Aldir Blanc – RN, através da qual publicou um livro de poesia e outro de crônicas, além da participação em antologias.
Publicou os livros “Pequeno Manual Prático de Coisas Inúteis”, “A Máquina de Avessar os Dias”, “Doce Azedo Amaro”, “Caderno de Anotações Breves e Memórias Tardias”, todos de poesia; “Por que Não Enterramos O Cão?”, de contos; e “A Cartomante que Adivinha O Presente”, de crônicas.
Theo continua escrevendo, segundo suas próprias palavras, “entre silêncio e barulho, por acreditar na palavra como um caminho possível e necessário.”
eu queria sonhar como sonham os yanomami
eu queria sonhar como sonham os yanomami
sem sonhos que me sufoquem pelo umbigo
sem o despertar histriônico das ambulâncias que acordam a cidade
movendo os carros
e a vida toda
para cima das calçadas.
eu queria sonhar como sonham os yanomami
imersos em suas florestas
como líquenes
ou animais ligeiros
que passam silenciosos
sobre os gravetos.
eu não queria sonhar como estes animais barulhentos
que somos
que guardam na pele dos papéis
as palavras para as quais a memória é incapaz.
eu queria sonhar como sonham os yanomami
enquanto venço o barulho das ruas
e entre semáforos vejo
brotar
minha irmã –
feitos da mesma matéria
do mesmo concreto
que ergue árvores imensas
que tocam o peito do céu.
eu queria sonhar como sonham os yanomami
e poder rever meu pai
e o pai de meu pai
e de todo os que vieram muito antes de mim
cujos nomes
estão guardados
nas costas do céu
fincados
entre os espíritos de tudo
o que é vivo.
eu queria sonhar como sonham os yanomami
sem precisar acordar
sob o despertador maligno da ambulância que cruza meu bairro
antes das sete da manhã
anunciando
o fim dessa gravidez inversa
que dará à luz
um morto.
uma palavra
uma palavra
não impediu a morte
de minha avó
aos mais
de 90 anos
uma palavra
não salvou da morte
os meninos
refugiados em bandos
da síria
uma palavra
impressa
na pele do papel
não socorre
um yanomami
da fumaça
das epidemias
uma palavra
não pode ser dada
a um homem
que me pede
comida
ajoelhado
no chão
em frente a um supermercado
uma palavra
uma palavra
uma palavra
esse brinquedo
de adornar
passado presente futuro
absolutamente inútil.
o idioma secreto
quantas letras
são necessárias para que eu escreva
seu nome?
em verdade,
quantas letras
são necessárias para que você me ouça chamar
seu nome
enquanto o escrevo?
quantos gestos de amor
quantas saudades infinitas
quantas pedras dos muros de israel
são necessárias para que você me compreenda?
para que mensure
a distância de minha estrada
a densidade de meus ossos?
quantas mãos
precisarei estender
para que você atravesse comigo
este abismo de
silêncios
e os negrumes das cavernas mais
antigas?
eu digo a você:
venha,
mas não sei em que idioma secreto
você compreenderia
minha voz.