PÍLULAS PARA O SILÊNCIO (PARTE CCLXII)
Clauder Arcanjo*
Silêncio de abril
“Esse homem, do alto de seus cinquenta anos, era a própria personificação da linha reta. Em seu desiderato positivo, o pobre homem declinou analiticamente de tudo o que há de mais maravilhoso na vida: de todos os raios de sol, de todas as crenças, de todas as flores – e não lhe restou senão uma cova fria e positiva.”
(Heinrich Heine, em Viagem ao Harz).
No instante de silêncio, ele acompanhou o nascimento de abril. Entre chuva e mormaço, o mês se apresentou. Plácido, tímido e com um quê de surpresa e encanto. Orou perante aquele parto; e abril, então, ofertou-se ao mundo como uma primavera inesperada e singular.
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Havia em seus olhos o verde da mataria. Em seu colo, a tentação do desconhecido. E, na sua voz, a inexplicável fugacidade do tom e do ritmo breves.
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Só se encantava quando a caminhada era desafiante, quando o objetivo se lhe apresentava inalcançável, quando a manhã de luz se fingia vestida com o manto do impossível.
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Cobre tuas palavras com a pretensa exatidão e condenarás tua obra à exata mesquinhez.
Só o não contado, entre as páginas do sugerido, atrai o leitor para a viagem da literatura.
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Haverá um abril entre tantos em que a noite se revelará incendiada pelo facho de um jogo cintilante e ardoroso. No centro da sala, a voz de um casal em murmúrios de conquista.
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Olha para o céu e vê se és capaz de colher a luz de uma estrela neste firmamento tão encoberto.
Caso ainda não possas, saibas que o teu olhar romântico já se deixou tomar pelo glaucoma do realismo.
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Até antes de ontem, era sonho. Ontem, fez-se ideia. Hoje amadureceu um bocadinho mais. Aguarda-se a sua bela floração nessas primeiras manhãs de abril.
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Tanta teimosia para, ao se ver diante do insondável, entregar-se ao inexplicável das horas.
Definitivamente, concluiu, neste mundo a beleza não deixa de pé nada positivamente em definitivo.
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Silencia e escuta: aquilo que não te desafia não te fortalece.
“E é sobre as rochas que se erguem as árvores, cobrindo esses portões de pedra com suas raízes nuas, que, descaindo até tocarem o chão, dão-nos a impressão de que crescem no ar. E como se crescessem junto com as rochas que as oprimem, alcançam alturas imensas e se põem mais firmemente de pé que suas colegas nascidas no solo domesticado das florestas nas terras planas. O mesmo ocorre com os grandes homens que se fortalecem e se afirmam ainda mais ao superarem as limitações e os obstáculos da vida.”
(Heinrich Heine, em Viagem ao Harz).
*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.