Berilo de Castro: Uma pedra no caminho

 

Tem sido cada vez mais comum e constante o diálogo entre o consultado e o consultante, no dia a dia, no ambiente médico clínico ambulatorial.

Esse diálogo tem como seu maior incentivador e orientador o Professor Doutor Google, que, minuto a minuto, é pesquisado, deixando os clientes alvoroçados, inseguros e desobedientes. Bom, que não tem custo e não é Plano de Saúde.

Dizia a consultada:

— Doutor, estou com uma “pedra” no rim direito de 0,4 cm, de oxalato de cálcio.

Conversa rolando sem parar. A paciente abre uma grande bolsa e retira longas anotações e continua com as indagações:

— Doutor, como são formadas essas desgraçadas e infelizes pedras? Pelo jeito, não posso comer mais nada, só tomar muita água; não tem barriga que aguente! Não posso comer sal, porque pode criar mais, e aí? Tudo, não tem sal? Não posso comer mais carne, vou morrer de fome! Aproveite, Doutor, veja esses biscoitos e essas bolachas, posso comê-los? Tirando de uma grande bolsa uma maçaroca de guloseimas e espalhando-as sobre a mesa.

— Doutor, quantos litros de água posso beber por dia? Minha vizinha diz que são uns cinco litros, mas o Doutor Google diz que são três, e aí? Posso tomar suco do limão em jejum?

— Quantas melancias posso comer por dia? Ainda bem que apareceram umas melícias pequenas! Quais são os chás que posso tomar? O chá de cabelo de milho é bom?

— Doutor, desculpe, é porque eu sou um pouco nervosa e muito esquecida. Tenho gente “doida” na família! Não estou comendo nada! Tenho medo desse danado crescer e me tapar toda.

E haja paciência!

— O chá da flor de cardeiro é bom também? Minha comadre disse que seu filho mijou com força e eliminou quatro pedras grandes logo após tomar o “bicho”. Eu posso tomar?

O consultante, com a paciência de um buda sedado com uma alta dose de Rivotril, já tonto de tantas indagações, rebateu: infelizmente, a indústria farmacêutica ainda não descobriu nenhuma medicação capaz de dissolver ou eliminar o cálculo renal; diante disso, algumas instruções úteis e necessárias poderão ser tomadas como medidas preventivas para não se criar novas pedras: tomar realmente mais líquidos, sem exageros (2,5 a 3 litros/dia), podendo ser: água, chás (os chás não eliminam as pedras, entram na cota dos líquidos), sucos e sopas; evitar comidas salgadas, diminuir ou retirar as proteínas de origem animal (carne vermelha), por fim, sempre acompanhadas de um ingrediente inesquecível, forte e fiel: a fé; “pois a fé não costuma faiá”. Entendeu?

— Doutor, esquentou um pouco o meu quengo, mas deu para entender um pouco! Muito obrigada, que Deus lhe abençoe e lhe ilumine. Desculpe mais uma vez, é que eu sou um pouco nervosa e confusa.

 

Um pouco de ciência: 90% dos cálculos renais surgem por defeitos metabólicos, os quais recebem uma forte carga genética (não é raro encontrar famílias e mais famílias com histórias de cálculos renais), os outros 10% são de causas não definidas. Assim sendo, o médico especialista (Nefrologista) pode muito bem, através de exames, identificar qual ou quais os distúrbios metabólicos estão envolvidos na formação do cálculo. Diante disso, caberá ao profissional orientar com medidas preventivas e terapêuticas adequadas, a fim de evitar a formação do cálculo. Enfatizo bem, para aqueles cálculos ainda não formados.

Que distúrbios metabólicos são esses? A hipercalciúria (aumento de cálcio na urina), a hiperuricosúria (excesso de ácido úrico na urina), hipocitratúria (citrato urinário baixo) e a hiperoxalúria (excesso do sal de oxalato na urina), todos possíveis de controles. O fator genético, por enquanto, infelizmente ainda se mantém “imegível”. Um sinal “amarelo” para as pessoas portadoras de obesidade, visto que apresentam várias dessas alterações metabólicas, como: redução do pH urinário, aumento da excreção urinária de sódio, oxalato, cálcio e ácido úrico. É importante frisar que a investigação dessas alterações é facilmente realizada por simples exames feitos em volume urinário de 24 horas.

Uma vez já formado o cálculo, estudos deverão ser feitos para identificar: tamanho, sua localização, sua densidade (com o exame de tomografia computadorizada), se é obstrutivo e se está trazendo complicações para o rim afetado.

Concluindo e reforçando: o melhor remédio ainda é a prevenção. Tomar líquido (2,5 a 3 litros/dia), principalmente no verão, diminuir a ingestão de sal, abolir ou comer pouca carne vermelha, fazer atividade física regular e moderada e controlar o peso corpóreo; quando já presente e diante de um episódio de crise abrupta (cólica renal), a solução é correr para a galera (urgência) e abraçar-se com o urgentista.

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