A mais luminosa estrela francesa

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Ela esperou por isso. Ela queria isso. Fazia tempo que seu sofrimento saltou do corpo e atingiu com força a alma. O câncer na faringe a castigou por anos, sugou sua força vital, machucou seu orgulho, lhe roubou a paz, lhe impôs dores lancinantes. Cansou literalmente de esperar e, cansada, foi presa fácil para embarcar na escuridão da morte. Françoise Hardy morreu terça-feira, aos 80 anos. Era e ainda é minha cantora preferida no contexto pop da Europa.

E o que seria da música francesa moderna – e do tal estilo francês – sem o legado da bela Françoise? Tinha 17 anos quando assinou contrato com a gravadora Vogue Records, de Paris em 1961. E logo se inseriu na vanguarda da cena musical francesa, tornando-se a maior referência anatômica do emergente género “yé yé” do país (o equivalente ao iê iê iê no Brasil). E virou ícone pop.
Cantora e compositora de sucesso, também adquiriu prestígio fashion na preferência de famosos estilistas dos anos 1960, como Paco Rabanne e André Courrèges. Nos dias da casa Balenciaga, Nicolas Ghèsquiere definiu Françoise como “a própria essência do estilo francês”.
Em 1962, o primeiro hit, “Tous les Garçons et les Filles”, tem letra inspirada no poeta Alfred de Musset, assinada pelo cineasta Claude Lelouch (do clássico filme Um Homem, Uma Mulher). Ela explode na TV na noite da apuração da eleição legislativa nacional.
Em agosto de 1963, quando os Beatles lançaram um compacto com a canção She Loves You, a influência da banda inglesa que já se espalhava no mundo tomou maior proporção no grito “Yeah, Yeah, Yeah” que repercutiu na França, Portugal e Brasil.
Françoise foi um fenômeno de sucesso, beleza e charme nos anos 1960/70, a rainha de uma plêiade de cantoras do yé-yé francês. Nasceu e cresceu em Paris, concluiu o ensino médio aos 16 anos, ganhando de presente um violão. Ela queria aprender rock.
Começou a dedilhar sem precisar de aulas e rascunhava as próprias canções. Um curso de alemão na Sorbonne foi suficiente para cumprir o desejo materno da faculdade, guardando o diploma e mergulhando totalmente na música.
Aparecia muito na TV, mas não queria ser mais uma adolescente com sonho frustrado. Dois meses antes de fazer 18 anos procurou a gravadora Vogue, que buscava uma voz feminina para o ídolo popular Johnny Holiday.
O destino traçou seu caminho para o rock ‘n’ roll poucos meses depois da estreia dos Beatles no Cavern Club, em Liverpool, em fevereiro de 1961. No dia 14 de novembro, ela assinou o primeiro contrato. A bela sendo uma fera.
Ainda adolescente, foi tomar aulas de canto no programa Petit Conservatoire, do canal estatal RTF, onde foi tratada por “Mademoiselle Hardy”. E então em 28 de outubro de 1962 ela se tornou um rosto de repercussão nacional.
Na estreia, uma canção autoral em inglês, “All the Boys and Girls”, que estourou nas rádios e dois meses depois já vendia meio milhão de cópias, dobrando em 1963 com onze semanas no topo das mais vendidas.
O sucesso atravessou fronteiras e seu visual de top model era estampado na mídia dos EUA, Canadá, Japão, Espanha, Holanda, Dinamarca. Algumas músicas passaram a ser traduzidas por cantores da Itália e da Espanha.
Foi inevitável o alcance não chegar no chamado “Swiinging London”, o epicentro da explosão do rock britânico. A gata parisiense conhece os caras dos Beatles e dos Rolling Stones, poucos deles não se disseram apaixonados.
Fez companhia a John Lennon, Brian Jones, Mick Jagger, Paul McCartney, todos eles encantados com ela, mas ignorados no sentido amoroso. Três gênios a quiseram como musa: Salvador Dali, Paco Rabanne e Bob Dylan.
Seu coração e sua cama só foram completamente ocupados em 1981 pelo cantor e compositor Jacques Dutronc, que ficou ao seu lado até sua morte. Dylan disse uma vez que fez três músicas inspiradas em Françoise Hardy.
Ao longo dos anos da sua maturidade, foram muitas as vezes em que ela defendeu o direito à eutanásia, de morrer com dignidade e escapar do sofrimento. O jornal Le Monde disse que ela foi símbolo da juventude por cinco décadas, mesmo estando em declínio físico. Chamou-a de letrista excepcional.

Publicado na Tribuna do Norte

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