ANÁLISE: JULGAMENTO DOS RÉUS DE 8 DE JANEIRO

 

Ney Lopes

Começo com a ressalva, de que não conheço o processo em julgamento no STF, envolvendo os participantes dos episódios de 8 de janeiro último, em Brasília.

Como jornalista e advogado, acompanho os fatos pela imprensa, o que não impede de manifestar opinião sobre o que vem acontecendo.

O STF já responsabilizou três acusados por crimes de associação criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.

As penas aplicadas são de até 17 anos de prisão e multa coletiva de R$ 30 milhões.

Cabe deixar clara a condenação ao ocorrido em 8 de janeiro, com invasões das sedes dos tres poderes da República e depredações criminosas.

Anunciou-se, que a rebeldia era para impugnar, pela força, o resultado das eleições e pedir uma intervenção ilícita das Forças Armadas.

Durante a invasão, cerca de 300 pessoas foram presas em flagrante.

Depois, na desmobilização dos acampamentos bolsonaristas nos quartéis, ocorreram cerca de mil prisões determinadas na madrugada pelo ministro Alexandre de Moraes.

A análise que se segue, não defende a impunidade.

Defende a justiça, que Rui Barbosa definiu como sendo a procura do que “é justo” e o provérbio popular completou: “Não pode ser justo quem não é humano”.

Comparemos o que aconteceu no país em 8 de janeiro e episódios igualmente degradantes, meses antes, nos Estados Unidos.

Foi julgado pela Corte americana o principal acusado da invasão ao Capitólio, Guy Weley Reffitt.

Ele portava uma arma e ameaçou a então presidente da Câmara, a democrata Nancy Pelosi.

Também foi acusado de recrutar integrantes para a milícia de extrema direita e crimes como transportar e carregar armas de fogo no Capitólio, interferir com a polícia e obstrução de Congresso.

Ele foi sentenciado a 7 anos e 3 meses de prisão, menos da metade da punição imposta aos réus já julgados no Brasil.

O americano terá direito de recorrer da sentença.

Os brasileiros não.

Claro que a tipificação dos delitos e a prova do processo são diferentes.

Porém, há pontos que cabem observações, diante da condenação dada aos réus envolvidos em 8 de janeiro ter sido maior do que a punição de alguns crimes de homicídio qualificado, que pode ter de 12 a 30 anos de pena.

A tese dominante no julgamento foi do crime multitudinário, que é aquele praticado por uma “multidão em tumulto, organizada no sentido de um comportamento contra pessoa ou coisas”.

O plenário do STF acolheu o argumento do Ministério Público, de que nos “crimes multitudinários e de participação englobada, não se exige a descrição minuciosa de conduta de cada coautor.  Quer dizer: não existe a individualização da pena”.

Com o devido respeito, a condenação coletiva conflita com o  artigo 29 do Código Penal, que estabelece:

Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.

“§ 1º – Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço”.

O dispositivo citado determina que autores e coautores incidirão nas penas cominadas ao crime principal, com exceção dos casos em que  tiverem aderido a participação em crime menos grave.

Há a ressalva, de que se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço.

Indaga-se: como atender as regras do artigo citado, senão através da individualização das condutas de cada um dos autores dos eventos de 8 de janeiro?

Apesar do concurso de crimes, as penas de cada acusado seriam diferentes umas das outras.

Pelo critério adotado fica praticamente vedada a hipótese de absolvição.

Muitos que estavam na Esplanada foram por motivos diferentes: acompanhar amigos e familiares, observar a movimentação, simpatia política etc.

A condenação não faz diferença e todos são considerados integrantes de uma “multidão em tumulto, organizada no sentido de um comportamento contra pessoa ou coisas”.

A doutrina do direito penal recomenda, que deve ser ressalvado o participante cujo intuito era de praticar delito, ou era simples espectador da cena.

Vê-se, que todos os agentes do presumido delito terão sua pena agravada ou atenuada ( artigos 29, 62 inciso I e 65 inciso III alínea “e”), de acordo com a relação entre a conduta que praticou e a sua importância para a consumação do crime.

Portanto, não haverá a responsabilização penal, se não existir a plena consciência entre os agentes de cooperar em uma ação comum.

Para isso, as condutas terão que ser investigadas uma a uma.

Observe-se, que segundo relatos da imprensa, nas dezenas de presos houve casos de esquizofrenia transitória, transtorno bipolar, depressão e ansiedade, o que justificaria  redução da pena e até ser considerado inimputável.

Outro questionamento pertinente:  o STF teria competência  para julgar os envolvidos nos atos de 8 de janeiro, que não têm prerrogativa de foro e função?

Como já afirmando por vários juristas é necessário avaliar caso a caso os mais de mil acusados pelos ataques.

O direito penal não é objetivo e impõe a identificação  da intenção do réu.

O direito penal aprecia o dolo e a culpa.

Todos esses aspectos suscitados justificariam reexame, através de recurso, porém, nestes casos, caberão apenas embargos de declaração, infringentes ou embargos de divergência, com poucas possibilidades de mudanças no julgamento de mérito.

Ressalvo a idoneidade dos julgadores, que expressaram convicções pessoais.

Os aspectos levantados têm apenas a preocupação, que Voltaire externou: “É melhor arriscar salvar uma pessoa culpada, do que condenar uma inocente”.

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