Clauder Arcanjo – E ACÁCIO CONHECEU A PSICANÁLISE

 

Semana passada reencontrei Companheiro Acácio. Ele estava com ar soturno, como se perdido em confabulações. Sobraçava um dos livros de Sigmund Freud.

Ao me aproximar, percebi em seu olhar ares de quem andara por terras nunca dantes pisadas. Não ao menos por ele.

— Companheiro?! Bom dia.

— Você sabia, Arcanjo, que existe tratamento para os pacientes histéricos?

Eu, antes de responder-lhe, corri os olhos ao redor. Não queria nenhuma testemunha daquele novo embate que se avizinhava entre nós.

— Não vá me dizer que você tem estudado a técnica da hipnose, seu maluco!

Deslizou as mãos sobre os cabelos ralos, assentou melhor os óculos e, num ar professoral, disparou:

— Não me venha com histerismos, Clauder Arcanjo. Sabia você que Freud e Breuer começaram a tratá-los com a técnica da hipnose? Que tal se aplicasse meus primeiros ensinamentos para melhorar o seu quadro patológico?

Com a minha repulsa contundente, Acácio recuou e me levou para outro caminho:

— Entremos nesta cafeteria. Vamos para uma mesa mais ao fundo, precisamos de privacidade. Confie em mim!

Pôs a mão no meu ombro e, ao fitar-lhe bem de perto o rosto, notei que estava conservando um cavanhaque. Ralo, mas bem escanhoado.

— Fale, fale à vontade. Deixe os traumas saírem de boca afora.

— Tal técnica se chama “associação livre”, a manjadíssima cura pela fala. Não estou certo, Companheiro?

Ele levou a caneta à boca e fez-se todos ouvidos.

— Continue, Clauder Arcanjo. E a relação com a sua mãe? E com o seu falecido pai? — provocou-me.

— A minha relação com a senhora minha mãe e com o meu saudoso pai, seu filho de uma égua, não é da conta de ninguém. Vá cuidar da sua vida, seu desocupado! — respondi-lhe.

Ele coçou o queixo e, meditabundo, ponderou:

— Interessantes tais assomos de fúria. Fale, sem peias. Estamos em ambiente seguro.

Quando me levantei e rumei em sua direção, Acácio abandonou a postura freudiana e, mais do que ligeiro, abrigou-se embaixo da mesa vizinha. De lá, Acácio ainda insistiu em continuar com a pretensa análise:

— E o que tem sonhado ultimamente, Clauder? Há nos sonhos conteúdos inconscientes que nos são revelados de forma simbólica.

Segurei-o pela gola da camisa, desenraizando-o do chão. Em seguida fiz-lhe entrar em sono profundo, sem recorrer a hipnose alguma.

Ao despertar pouco depois, indaguei-lhe:

— Ainda quer mergulhar nos desvãos do meu subconsciente, Companheiro Acácio?

— Não, não! Chega! Chega!

 

*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.

Deixe um comentário