Clauder Arcanjo: PÍLULAS PARA O SILÊNCIO (PARTE CLII)
Pílulas para o Silêncio
(Parte CLII)
Clauder Arcanjo*
“… e a respiração contínua do mundo é aquilo que ouvimos e chamamos de silêncio.”
(Clarice Lispector, em A paixão segundo G.H.)
Aqui, distante de minha província, não escuto a respiração contínua do meu chão. Chamo por ti, Licânia, e não ouço o silêncio que 05vem do teu rio, paz que nos abriga sob a copa de tuas oiticicas e carnaubeiras, sob a bênção de nossa padroeira: Sant’Anna. Esta, incansável, e sempre à frente de tua Matriz, silenciosamente cobre com seu manto a filha querida. De olhos baixos, como se envergonhada pelos olhos secos de nosso povo.
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Do alto deste prédio, com nome grafado com estrangeirismos, lembro-me da voz boa de tua gente, Licânia, a acolher-me como os “entonces”, a me “mandar subir pra riba”, a me ofertar um “café donzelo”, a balançar-me numa “rede fresca para esfriar o corpo”.
Quando menino, confesso perante Deus e os homens, eu tinha vergonha do dialeto matuto do nosso povo; hoje, cansado de imitar os bestas, passo a noite a relembrar o que, outrora, me envergonhava. Nenhum texto meu conseguiu se aproximar da riqueza telúrica de que Licânia me fez herdeiro. Filho pródigo, um dia hei de voltar para a casa que me gerou.
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Um sino rouco rompe a calma (e chuvosa) manhã de Vitória, e um Espírito Santo se achega de mim. Põe a mão no meu ombro provinciano, e nada me diz, porque nada precisa me ser dito. O essencial é confessado pelo silêncio.
— Licânia hoje é um retrato na parede da memória e (para alguns, tão pouco) isso me (re)constrói.
Distante da província, passo, então, a escutar a respiração contínua do meu chão. Saúdo a ti, Licânia, ao ouvir o silêncio que vem do teu rio, paz que me abrigará, sempre, sob a copa de tuas oiticicas e carnaubeiras, sob a bênção de nossa padroeira: Sant’Anna.
*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.