Clauder Arcanjo: PÍLULAS PARA O SILÊNCIO (PARTE CXXXIV)
Um cavalo na minha cama
Acordo, suado e transtornado, no meio da madrugada. Acendo a luz e, antes de acordar de todo, dou com um cavalo na minha cama. Sem sela, sem bridão, sem cabresto; tão somente, com uma espécie de riso xucro na boca larga. Armo a rede, silenciosamente, e volto a dormir; rezando para que o atrevido corcel se levante mais cedo de que eu.
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De manhã, a cama vazia e um hálito de estrebaria no ar. Calço as botinas e sinto os pés a cavalgarem. Paro, reclamo e minha voz tem ar de relincho. Antes que a casa me perceba, saio e ganho o campo.
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Disparo em alta velocidade e, de repente, sinto-me acompanhado por outras cavalgaduras. Num tropel de crinas longas e sem a menor sombra de dúvida da condição de equinos. Até uma das éguas se engraça com minha falta de jeito. Em seus olhos, o sinete da minha tristeza.
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Com receio da liberdade sem freios, retorno e me enfio em casa. Os homens falam de perda de liberdade e da necessidade de pulso firme dos caval(h)eiros. Eu, suado e transtornado, deito-me. Quieto, fico a ouvir os coices do palavreado sem peias no centro da ilharga da sala.
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Ao cair da noite, a casa volta a dormir. Apago a luz e suspeito que todos sonham. Sem sela, sem bridão, sem cabresto; tão somente, com uma espécie de riso xucro e cavalar nas bocas largas.
Clauder Arcanjo