Documentos secretos revelam que ditadura expulsou diplomatas gays

Documentos secretos indicavam resultados de comissão de investigação: diplomatas gays deveriam ser aposentados compulsoriamente

Um novo relatório secreto chegou à mesa do ministro José de Magalhães Pinto, em Brasília, em 7 de março de 1969. Na época, o chefe do Itamaraty recebia documentos sigilosos sobre a vida pessoal de profissionais do Ministério de Relações Exteriores. O ofício, após meses de análises, indicava resultados da Comissão de Investigações Sumárias (CIS): diplomatas brasileiros devem ter suas carreiras prontamente finalizadas por meio de aposentadoria compulsória. Os profissionais eram homossexuais e, segundo o entendimento do governo militar, tal “incontinência pública escandalosa” poderia “comprometer o decoro e o bom nome” do país.

A ditadura militar expulsou pelo menos sete diplomatas e outros seis profissionais administrativos do Itamaraty porque eram homens gays. A Comissão de Investigações Sumárias ainda sugeriu que outros dois oficiais de chancelaria e 10 funcionários internos passassem por exames médicos e análises sociais para comprovar a possível suspeita de serem homossexuais.

O profissional só conseguiu voltar ao cargo quase duas décadas depois, após um memorando da primeira Comissão de Anistia, instalada no Ministério do Trabalho em janeiro de 1980, sugerir que Joppert voltasse ao Ministério de Relações Exteriores. Mesmo assim, ele precisou realizar exames médicos para isso.

Alguns que passaram por violações semelhantes nunca conseguiram retornar aos seus cargos. O primeiro-secretário do Nísio Medeiros Batista Martins, por exemplo, morreu antes da revisão proposta pela anistia. Já o servente Dionysio Fernandes Borges, que atuava como funcionário administrativo do MRE, lutou pela carreira, mas continuou afastado por conta do preconceito anos depois.

“A Comissão de Anistia de 1980 sugeriu que o funcionário fosse submetido a exame médico, psiquiátrico e psicológico, no Centro de Medicina Aeroespacial da Aeronáutica, que expediu diagnóstico comprovando a alegação de homossexualidade patológica [sic] e emitindo parecer de que o funcionário seria incapaz para o fim a que se destina. Tendo em vista os motivos acima, a Comissão decidiu informar que a reversão do funcionário seria contrária aos interesses da Administração”, indica o parecer da Comissão de Anistia.

José Eduardo Brasil Vivacqua, oficial de chancelaria expulso por ser homossexual, também não “atenderia aos interesses da administração”, apesar de não possuir registro “que desabonasse sua conduta funcional”. Nem mesmo os elogios oficiais e a profissionalismo de anos foi capaz de proteger o funcionário contra as violações políticas.

Investigação Sumária

A Comissão de Investigação Sumária de 1969, também conhecida como CIS-69, foi um dispositivo criado por meio do Ato Institucional nº5 e designada por meio de uma portaria, em 3 de fevereiro do mesmo. A organização unia informações sobre a vida pessoal de membros do Itamaraty.

O objetivo descrito pela CIS 69 era “elaborar um conceito sobre cada funcionário, através de depoimentos dos chefes dos vários órgãos da Secretaria de Estado, de autoridade da Casa, dos Chefes das Missões diplomáticas e repartições consulares, solicitados estes últimos por circular-telegráfico”.

Além da homossexualidade, os motivos indicados pela comissão para expulsar profissionais do Ministério de Relações Exteriores: “Vício de embriaguês; vida irregular, instabilidade emocional, indisciplina funcional, insanidade mental, risco de segurança, uso de entorpecentes e motivos de saúde”.

Um dos casos mais conhecidos do ação da CIS-69 foi o pedido de afastamento do cantor Vinicius de Moraes por “alcoolismo”. No entanto, a comissão propôs o aproveitamento do “homem de letras e artista consagrado” no Ministério da Educação e Cultura, onde seus serviços poderiam ser “melhor aproveitados”.

Metrópoles

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