Entretenimento digital: a política do pão e circo nas redes sociais
Ao longo da história, a governabilidade sempre representou um desafio. Na Roma Antiga, a estratégia do pão e circo foi empregada para impedir revoltas populares em meio a cenários de desigualdade e crise econômica, garantindo, por meio do entretenimento, a manutenção dos índices de popularidade dos governantes romanos. Esse mecanismo, criado para distrair as massas, foi adaptado, na atualidade, à era digital, ganhando uma dimensão ainda mais preocupante sob a ótica da democracia.
Na contemporaneidade, a lógica de entreter para dominar persiste, embora o formato, o cenário e a linguagem tenham se transformado. As redes sociais tornaram-se o principal espaço de manipulação da opinião pública, uma vez que o avanço da tecnologia gerou uma sociedade hiperconectada e hiperestimulada, ávida por consumir, cada vez mais, conteúdos que mantenham a dopamina em alta e proporcionem alívio diante dos problemas reais. Mesmo cansada, essa sociedade busca incessantemente manter-se conectada, produzindo e consumindo conteúdo para sentir-se pertencente a um grupo específico.
Esse novo pão e circo não apenas assegura a manutenção da governabilidade, mas também intensifica a polarização afetiva e fortalece projetos políticos, seja na arena partidária ou no desempenho individual de figuras públicas, principalmente dos chamados influenciadores digitais, especialistas em gerar discursos fragmentados e apelativos aos sentimentos e crenças de uma população descrente nas instituições políticas.
Nesse contexto, a ascensão dos influenciadores digitais na arena política resultou na formação de um novo fenômeno: a chamada “bancada da selfie”. Esse fenômeno caracteriza-se pela ascensão de políticos oriundos do ambiente digital, cujo estilo de comunicação se fundamenta na autoexposição e na busca incessante por gerar conteúdos virais que enquadrem a mídia e os debates no ambiente digital.
Embora tal modelo reproduza, em essência, os efeitos da política do pão e circo, impõe novos desafios: a superficialidade no debate dos reais problemas sociais e a facilidade na disseminação de fake news, que contribuem para o fortalecimento de uma lógica de pós-verdade, resultante de transformações históricas, culturais e tecnológicas intensificadas com a ascensão das mídias digitais e das redes sociais. Nesse cenário, os apelos emocionais e as crenças pessoais se sobrepõem aos fatos, uma vez que a informação é moldada pela lógica do espetáculo e da viralização.
Conforme ressaltam os estudos de Lúcia Santaella, as redes sociais constituem hoje os novos espaços de disputa política. Os algoritmos que regem essas plataformas propiciam a formação de bolhas informacionais e discursos polarizados, reforçando narrativas predominantes nesse espectro político, uma vez que seus representantes compreendem e exploram com eficácia a lógica algorítmica e a construção de discursos persuasivos e atraentes.
No entanto, é fundamental reconhecer que, se devidamente reguladas, essas mesmas plataformas podem promover a inclusão e ampliar a participação de vozes historicamente marginalizadas, enriquecendo o debate público e contribuindo para uma democracia mais plural, uma vez que permitem ao usuário ser tanto receptor quanto produtor de conteúdo. Todos podem influenciar. Além disso, esse diálogo é bidirecional, interativo e personalizado, o que proporciona maior engajamento e conexão.
Em síntese, as redes sociais configuram o cenário contemporâneo de uma política que, à semelhança do antigo “pão e circo”, privilegia o entretenimento e a superficialidade em detrimento de debates profundos e reflexivos. Essa dinâmica, que manipula a opinião pública por meio de algoritmos fomentadores da polarização, evidencia os riscos de uma democracia fragilizada, permeada por fake news e discursos emotivos. Todavia, dentro desse mesmo ambiente digital reside o potencial transformador para a ampliação de vozes diversas e a promoção de debates inclusivos. Para isso, o Brasil precisará aprofundar esse debate e avançar na regulação dessas plataformas (big techs), inclusive para preservar a democracia.
Vanessa Marques é jornalista, mestre em comunicação na Espanha, e atua há 20 anos na comunicação política, com 13 anos de experiência como coordenadora de comunicação de mandato na Câmara dos Deputados. Pesquisadora sobre espetacularização, neopopulismo e a plataformização do discurso pela direita conservadora na América.
Por Vanessa Marques
@vanessamarques