Florbela Espanca e os homens de sua vida – Nathalia Silvestre
“Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada… a dolorida…”
Florbela Espanca, Livro de Mágoas, 1919
A poetisa portuguesa Florbela Espanca (1894-1930) apresentou desde nova sintomas de depressão, retratados com frequência em sua obra poética ao longo dos anos. O não reconhecimento como filha legítima pelo pai, João Espanca, a morte de seu querido irmão, Apeles Espanca, os relacionamentos fracassados, os abortos e o não reconhecimento de seus poemas ainda em vida, fizeram com que Florbela padecesse a vida inteira desse mal que a levou, em 7 de dezembro, véspera de completar 36 anos a suicidar-se.
Bela foi registrada como filha de pai incógnito, o que era comum em sua época. Mesmo assim, a poetisa foi morar ainda nova com seu pai e a madrasta, Mariana Espanca. No entanto, sua relação com seu pai era distante. Buscava no pai a confirmação do amor e o reconhecimento como filha. No poema “Hora que passa” de seu livro Sóror Saudade(1923), podemos notar o sentimento de abandono vivido por Florbela, pois nunca se sentiu verdadeiramente amada, principalmente por seu pai.
“Vejo-me triste, abandonada e só
Bem como um cão sem dono e que o procura,
Mais pobre e desprezada do que Job
A caminhar na via da amargura!”
No poema “Mendiga” de seu livro Charneca em flor (1931), nota-se também o seu sentimento de dor, tristeza, solidão e abandono.
“Na vida nada tenho e nada sou;
Eu ando a mendigar pelas estradas
No silêncio das noites estreladas
Caminho, sem saber para onde vou!”
Em carta a Júlia Alves, amiga com quem se correspondia dizia o seguinte: “É sempre triste a perda de um pai… E eu, que tenho ainda o meu, calculo a tua mágoa, se Deus me tivesse roubado o meu, que ainda assim não me quer como eu lhe quero!”. Podemos sentir a dor que Florbela sente por seu pai não retribuir o seu amor.
No pai, busca a confirmação do amor, mas falha, pois João Espanca sempre a enxerga como como prolongamento de sua mãe, Antonia Loba, que assumiu o papel da amante/outra. João não a reconheceu como filha enquanto ainda era viva, apesar de ter a criado, deixando Florbela para sempre no limbo em relação à confirmação do seu amor. A ausência dessa figura paterna talvez tenha feito com que Florbela procurasse em seus relacionamentos o amor não correspondido. Ao longo de sua vida casou-se três vezes. Seu primeiro casamento foi aos 19 anos, com Alberto Moutinho, em 1913, o segundo com o médico Antonio Guimarães e o terceiro com Mario Lage.
Em seus poemas românticos, Florbela explora todo seu amor, erotismo, sensualidade, o desejo de ser amada, o enaltecimento do homem amado. Todo esse donjuanismo feminino em sua obra não deixa de lado a dor e a melancolia. Florbela se sentia sozinha, incompreendida, abandonada, não correspondida, como diz António Freire “ (…) o amor foi a principal tragédia de Florbela Espanca (…).”
“Por uma que te despreza,
Teu coração endoidece;
E a pobre que te quer bem
Só teus desprezos merece!”
As quadras dele (I), livro Trocando olhares
“Sonhei que era a tua amante querida,
A tua amante feliz e invejada;
Sonhei que tinha uma casita branca
À beira dum regato edificada…”
Sonhos, livro Trocando olhares
Florbela tinha uma ligação muito forte e especial com seu irmão, Apeles Espanca. Talvez o amor não correspondido pelo pai e o distanciamento da mãe biológica, fizeram com que Florbela visse em seu irmão o único laço familiar verdadeiro e correspondido. Apeles era três anos mais novo que a poetisa, desce novos eram muito unidos, eram confidentes e era comum trocarem cartas contado sobre seus relacionamentos e acontecimentos da vida. Florbela escreveu sobre o amor pelo seu irmão em diversos poemas, em particular no poema “Roseira brava”:
Há nos teus olhos de oiro um tal fulgor
E no teu riso tanta claridade,
Que o lembrar-me de ti é ter saudade
Duma roseira brava toda em flor.
Tuas mãos foram feitas para a dor,
Para os gestos de doçura e piedade;
E os teus beijos de sonho e de ansiedade
São como a alma a arder do próprio Amor!
Nasci envolta em trajes de mendiga;
E, ao dares-me o teu amor de maravilha,
Deste-me o manto de oiro de rainha!
Tua irmã… teu amor… e tua amiga…
E também, toda em flor, a tua filha,
Minha roseira brava que é só minha!.
Apeles morre três anos antes da morte de Florbela. A morte de seu irmão teve um impacto muito forte na vida de Florbela, principalmente na sua saúde mental. A poetisa volta a ter depressão, tenta se matar e nunca mais se recupera da morte de seu querido irmão, sentindo sozinha e sem família.
Por fim, notamos o impactos, negativos e positivos que esses homens causaram na vida dessa poetisa. Florbela se sentia incompreendida e solitária, procurou nos homens de sua vida o amor não correspondido por seu pai, teve conforto e amor na companhia de seu único e amado irmão que morreu precocemente. Ela nunca mais se recuperou desse tragédia, o que a leva ao triste fim de tirar sua própria.
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
CCHLA – Departamento de Letras
Disciplina: Tópicos de Literatura Portuguesa I
Docente: Marcio de Lima Dantas
Discente: Nathalia Oliveira Silvestre