MAIS UM ANO

Clauder Arcanjo*

 

 

(Pintura “A Natividade Mística”, de Sandro Botticelli.)

 

Para Ciro de Moraes Rego

(in memoriam)

 

          O poema “Antigo lugar”, de Ciro de Morais Rego, me resgata da pasmaceira da tarde:

Nunca eu poderia pensar

Que voltasse aqui um belo dia.

Parece que nada mudou

(É sempre a mesma agonia).

Mas tudo mudou sem cessar,

Sem de algo ter a primazia.

Só a saudade é que não mudou.

          O poeta caolho responde “Ao desconcerto do mundo” da estante da sala, entulhada de livros a serem relidos:

 

Os bons vi sempre passar

No mundo graves tormentos;

E para mais me espantar,

Os maus vi sempre nadar

Em mar de contentamentos.

 

Do fundo da outra estante, o Bruxo do Cosme Velho entra na discussão:

 

E, em vão lutando contra o metro adverso,

Só lhe saiu este pequeno verso:

“Mudaria o Natal ou mudei eu?”

 

E o poeta de Itabira, gauche, resolve participar:

 

Certa palavra dorme na sombra

de um livro raro.

Como desencantá-la?

É a senha da vida

a senha do mundo.

Vou procurá-la.

 

Um risonho vulto, de Alegrete, solfeja uma quadra:

 

Ninguém quer levar para casa

um pouco de céu:

a lembrança do que se perdeu

sempre incomoda…

 

Enquanto o vizinho escuta uma música de letra impublicável.

 

& & &

 

E assim o dia se vai, e se esvai. Na lonjura das horas, a memória se aquieta no compasso dos poetas: Ciro de Morais Rego, Camões, Machado de Assis, Carlos Drummond de Andrade, Mario Quintana.

Um pretenso poeta-músico reclama a sua presença, mas não estou aqui para dar palco à mediocridade.

E, ao longe, uma mensagem de Camões:

 

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,

Muda-se o ser, muda-se a confiança;

Todo o mundo é composto de mudança,

Tomando sempre novas qualidades.

 

Que venha o novo ano!

 

*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.

 

 

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