Moradores de favelas organizam-se para sobreviver na maior metrópole do Brasil
As duas maiores favelas da maior cidade do Brasil estão a organizar-se para combater o coronavírus covid-19, num momento em que Presidente e governos estaduais não concordam sobre as medidas a adotar.
Gilson Rodrigues, líder comunitário da favela de Paraisópolis e fundador do núcleo G10 das Favelas, considera que a população ainda não acredita verdadeiramente nos perigos da epidemia.
“Paraisópolis vive neste momento uma tentativa de se organizar para combater o novo coronavírus, mas, no geral, a população ainda percebe a situação com descrédito”, disse, acrescentando: “É como se [o vírus] fosse uma coisa da televisão, que não vai chegar aqui, uma coisa dos ricos, por isto as ruas continuam lotadas e as pessoas ainda não tem consciência do que está por vir”.
A crise e o desemprego entre a população local já eram uma realidade muito presente, mas a situação piorou agora com a paralisação das atividades produtivas na maior cidade do Brasil.
“A crise e o desemprego já eram [problemas] grandes e agora piorou. Aqui é como se este vírus só existisse na televisão principalmente porque há uma questão de infraestrutura que é diferente do que está sendo mostrado”, salientou.
“Percebemos que há dois `Brasis`, um que consegue fazer `home office` e consegue ter álcool gel e outro onde falta até água, que está morando em cima de um córrego, que vai passar fome e sofrer mais”, avaliou Gilson Rodrigues.
Diante deste panorama, o líder comunitário e um grupo de voluntários decidiram organizar uma série de ações que incluem recolha de doações e a distribuição de alimentos em cestas e de mais de 1.300 refeições por dia para os moradores mais pobres da comunidade.
Os voluntários foram divididos em grupos, com delegados de rua, para levar as informações sobre a saúde e as necessidades dos seus vizinhos.
“As iniciativas que estão acontecendo aqui em Paraisópolis resultam da própria mobilização da sociedade e da comunidade (…) Até agora não há nenhuma iniciativa pública, do Governo”, lamentou Gilson Rodrigues.
Em Heliópolis, que é considerada a maior favela de São Paulo e onde vivem cerca de 200 mil pessoas, Antónia Cleide Alves, líder comunitária e presidente da União de Núcleos, Associações dos Moradores de Heliópolis e Região (Unas) contou que a situação é a mesma.
Sem apoio direito do poder público são os moradores que estão promovendo ações para recolher doações, distribuir comida, produtos de higiene e informar a população.
Nesta comunidade, a movimentação das pessoas parece menor, mas muitos permanecem nas ruas e com comércios abertos para tentar obter dinheiro e sobreviver.
“Os nossos projetos com o Governo e com a prefeitura foram fechados e muitas das crianças que atendemos vinham comer aqui na Unas, muitas pessoas estão desempregadas e decidimos contactar os nossos parceiros para pedir ajuda”, contou à Lusa Antónia Cleide Alves.
A dirigente associativa explicou que a associação de moradores decidiu permanecer aberta para ajudar a servir a população.
“Hoje estamos contando muito com a solidariedade das pessoas. Temos doações, as pessoas entram em contacto. A sociedade civil está muito preocupada, do Governo percebemos que há muitas falas e pouca ação. Concretamente do Governo o que a gente percebe é uma dificuldade muito grande para fazer o atendimento”, frisou.
Antónia Cleide Alves explicou que os moradores foram avisados das ações de isolamento social e a necessidade de reforço da higiene pessoal, mas estes cuidados esbarram na falta de água, em moradias precárias e minúsculas onde as famílias vivem amontoadas umas às outras.
A líder comunitária também contou que sua maior preocupação é de que a pandemia se espalhe e acabe gerando guetos e o encerramento das entradas da favela.
“Temos medo de sermos fechados aqui. De que todas as nossas entradas (da favela) sejam fechadas pelo Exército, por alguém que não nos deixe sair. É disso que temos medo. Sabemos que no fundo as favelas estão muito excluídas”, explicou a presidente da Unas.
O Brasil tem hoje meio milhar de mortos e perto de 12 mil infetados.
O novo coronavírus, responsável pela pandemia da covid-19, já infetou mais de 1,2 milhões de pessoas em todo o mundo, das quais morreram mais de 68 mil.
Depois de surgir na China, em dezembro, o surto espalhou-se por todo o mundo, o que levou a Organização Mundial da Saúde (OMS) a declarar uma situação de pandemia.
Por RTP
*Emissora pública de notícias de Portugal