MULHERES FANTÁSTICAS (III): A MULHER ETERNA – CLAUDER ARCANJO
Sete anos fora. Na descida do ônibus, nada além de casas, silêncio e… pasmaceira. As poucas ruas da província entregues a um sossego de dar nos nervos. Passava do meio-dia, todos no cochilo da tarde.
Florêncio e esposa caminharam em direção à Matriz, hábito incentivado por Dona Carmelinda, mãe de Florêncio. “Já pediu a bênção à Sant’Anna, Florencinho?”
Ele fez o nome do pai na calçada da igreja, não sem antes retirar o chapéu, depois seguiram no rumo do Mercado. “Quem sabe não encontro alguns amigos.”
Os paralelepípedos marcavam-lhes as solas dos sapatos finos. Com pouco, uma carroça com as frutas da estação — mangas, melancia e o cheiro forte dos cajus —, Florêncio olhou para a companheira, como a lembrar-lhe de que ainda não haviam almoçado.
***
Ele enamorara-se com Jasmina, mal ela pusera os pés em Licânia. Aqueles olhos negros e fundos jogaram Florêncio no poço da paixão. Ele nada mais via, nada queria, nem nada desejava… senão, o brilho eterno daquele olhar.
De início, ele vestira-se com o traje da leseira. Com pouco mais, uma inação total invadira sua mente.
Os pais ralhavam com aquele seu jeito: “Florêncio, por onde anda com a cabeça?”; os amigos cobriam-no de cobranças: “Vamos lá, Florêncio Flores, o Caneco Amassado nos espera. Olhe que, parece, o cabaré recebeu raparigas novas, homem!”.
De tanto Florêncio insistir, a moça abriu a guarda, e o amor foi correspondido. Em menos de ano, marcaram o casório, a festa foi grande. Toda a família Flores compareceu, gente de todo o vale do Acaraú. Forró, bebida e foguete. Como era de praxe nas festanças dos Flores.
***
“Minha filha, não se vá! Não se vá!”
A lembrança viva ainda, sete anos depois. Um ano após o enlace, o parto do primeiro filho. Depois de horas e horas de dores, o desespero da parteira: “O menino está atravessado, a senhorinha está perdendo muito sangue, o caso agora é com Nossa Senhora do Bom Parto!”
“Minha filha, não se vá! Não se vá!”
A entrada do esposo no quarto, Florêncio mergulhado nas águas fundas do desespero. Agarrou-se à mão da jovem esposa, Jasmina banhada de suor, o olhar desfalecido, em tom de cinza.
— Deem a esta menina a extrema-unção! — alguém clamou.
— Não, não! — gritou Florêncio, os olhos injetados de sangue.
Em fúria, tangeu todos para fora de casa.
— Saiam! Saiam todos!
A vizinhança na calçada a esperar o desfecho. A sombra da dor sobre Licânia.
Meia-noite, a residência às escuras. De repente, gritos de esconjuro. Os que ainda se encontravam frente à residência do jovem casal, arrepiados, entreolharam-se e rumaram para suas casas.
No outro dia, logo cedo, a casa de Florêncio vazia.
Ninguém mais soube notícia. Muitos comentários, infindáveis boatos, nenhuma certeza.
***
O casal frente à sua antiga casa. De repente, Adamir, a vizinha da frente, saiu ao portão, à espera da carroça das frutas.
— Boa tarde, Dona Adamir!
— Boa tarde — respondeu-lhe Adamir.
— Não está me reconhecendo?! Sou Florêncio das Flores, filho de Carmelinda. Florêncio, o seu antigo vizinho.
— Florêncio!… Há quanto tempo, meu filho! — saudou-o a vizinha.
— Trago comigo Jasmina, minha mulher eterna!
— Não, não! — gritou Adamir, os olhos injetados de pavor e pânico.
Clauder Arcanjo. [email protected]