O alienígena (Parte IX)
Clauder Arcanjo*
Pintura O barco do vinho no rio Pine, de Yao Lu.
Quando a cidade retornou à pasmaceira habitual, depois de duas semanas de tórridos fuxicos, percebeu-se que tudo voltava ao ponto inicial. Ou seja, nada de desvendarem o mistério que toldara a paz das ribeiras de Licânia.
Pouco depois, o Zé Abdon, velho carteiro da província, entregou uma carta ao senhor prefeito. Este, alegando que os óculos não estavam prestando mais, pediu ao Lau para lê-la em voz alta. Lau, secretário interino, apelou para os serviços do primeiro assistente, o Batista Gordinho. Este, por sua vez, recorreu aos préstimos do Zé Aguiar. Zé Aguiar, com os olhos baços depois da carraspana da noite anterior, não conseguiu avançar além da primeira linha.
— Esta porra foi escrita em chinês. Ô letrinhas escrotas!
O Zé Abdon, irritado com a baixa escolaridade dos encarregados pelos desígnios da municipalidade, resolveu ele mesmo decifrar a tal correspondência:
— Ao senhor chefe da municipalidade, corrupto de escol…
— O que é escol, Lau? — quis saber o prefeito.
— É uma marca de cerveja, meu chefe! Continue, Zé Abdon.
— … escrevo para comunicar-lhe que, mal cheguei aqui, constatei que o erário vem sendo usurpado a olhos vistos. E…
— Pare aí, Zé Abdon! Que palavreado mais… Como posso dizer? Mais…
— Indecifrável, o senhor quer dizer! — tentou ajudar o carteiro.
— E eu lá sei também o que é esse tal de in-de-fri…
— Indecifrável, prefeito. Aquilo que não se consegue decifrar. Algo difícil de se entender — socorreu o pobre carteiro.
— Quer saber de uma coisa? Vamos parar esta leitura. Ô, Lau, vá chamar aqui o João Américo. O cabra é chato, complicado, mas consegue destrinchar qualquer sopa de letrinhas. Até se esta merda vier escrita em chinês. Vá, homem, sebo nas canelas! — ordenou o alcaide.
Não sabe o que é alcaide, caro leitor?
É… a situação aqui está feia. Não vou parar para lhe explicar nada. Se quiser, pode recorrer ao Aurélio.
“Quem é esse Aurélio?!”
Você está de sacanagem comigo, seu energúmeno!
E muito menos sabe o que significa energúmeno? Meu Deus! Onde fui meter a minha novela! Devo estar jogando todo o meu esforço no lixo.
Vou em frente, não tenho tempo a perder em colóquio com animal de quatro patas.
Nisso, outra briga se instala. Uma confusão dos diabos! Ninguém ouvia ninguém. Eu, leitor, personagens…
Entre tapas e gritos, fecho este capítulo. Na próxima semana…
— …uuuuuuu… Auuuuuuu… uuu…
O que foi isso?
— Auuuuuuu… uuu…
Para onde vocês vão, seus cabras frouxos? Para o Serrote da Rola?!
— …uuuuuuu… Auuuuuuu… uuu…
Esperem por mim! Preciso acompanhá-los, alguém precisa narrar a fuga de vocês.
— …uuuuuuu… Auuuuuuu… uuu…
*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.