O alienígena (Parte VI)

 

Clauder Arcanjo*

 

Pintura da série Os galos, de Aldemir Martins.

 

Não há corrida que não pare. Muito menos fuga que não canse. Sem falar em cansaço que não nos leve ao sono.

E foi, em meio a um sono deveras profundo, que a ideia me surgiu.

Levantei-me de sopapo e, antes de lavar o rosto e ouvir o canto do galo Machado, eu já me perguntava:

— Por que não pensei nisso antes?

“Não pensou, porque nunca foi de raciocinar muito, seu escrevinhador de província! Na construção de suas narrativas, Arcanjo, a voz é a do império da improvisação, ao calor da pena…”

Eu não quero conversar hoje com leitor nenhum. Calem-se todos. Se quiserem ler o que tramei, entrem e permaneçam de bico calado. Caso não, bom dia… e estamos conversados.

Onde eu estava mesmo? Sim, na ideia que me surgiu durante a noite.

Arrumei as malas e selei o cavalo. Caraúbas, lá vou eu!

“Espere um pouco, seu Clauder Arcanjo. Você vai de cavalo de Licânia, nas margens do rio Acaraú, no norte do Ceará, para Caraúbas, no oeste do Rio Grande do Norte! Isto não tem verossimilhança. Não há cavalo que aguente tantas léguas…”

E quem lhe disse que eu irei na sela até lá?! Selei meu pangaré para ir até Sobral. De lá… vupt! É um pulo só.

Mas por que ainda insisto em dar trela para leitor metido? Cá comigo, parece que eu gosto de perder tempo com eles.

Sigamos, sigamos.

& & &

 

A cidade de Caraúbas se encontrava envolvida no silêncio da madrugada. Benzi-me diante da Igreja Matriz de São Sebastião; e, no Mercado, regalei-me num café com tapioca com leite de coco. De bucho cheio, perguntei pelo endereço dos Hernandes.

Um cabra de cara azeda, de cicatriz marcante ao longo da face esquerda, pôs-me uns olhos de meter-me medo.

Paguei a conta e saí de fininho.

Na porta do casarão dos Hernandes, anunciei-me:

— Ô de casa! Quem fala aqui é da paz, e vem à procura de Madame Brizolete Hernandes, a Dama da Conspiração.

Uma porta rangeu, como se mexesse em uma ferrugem centenária. Com pouco, surge uma senhora baixa, pele alva, cabelos brancos e de olhos claros.

— …

Sim, ela me respondeu com um silêncio de reticências. Nele, senti a força de sua coragem.

Tremendo — será que era ainda o frio da madrugada? — tentei entabular um diálogo com a Madame Brizó.

— O que me traz aqui é caso de extrema precisão. Os homens da minha terra não tiveram coragem para enfrentar o alien… Digo, o mistério que nos oprime. Só me resta recorrer, então, aos seus préstimos.

Madame Hernandes abriu a porta e tangeu-me para a sala grande. Lá indicou-me uma cadeira de balanço. Sentou-se à minha frente, não sem antes ajustar o cinturão de couro cru em que lhe pesavam uma garrucha e um punhal com cabo de madrepérola.

— … …

Entendi o significado das duas reticências seguidas. Em bom português: “Desembuche depressa!”

Abri a matraca num fôlego só. Contei-lhe tudo que incomodava Licânia: a cidade esvaziada, o povo todo entocado no Serrote da Rola, a contratação do detetive Robertão Social… Enfim, o fracasso e a falta de homem com coragem para desvendar o tal enigma.

Ela fez uma cara de repugno. Depois, levantou-se, entrou, trazendo-me uma caneca com água da quartinha.

Sorvi-a em goles trêmulos. Não nego que — será que estarei com problema de próstata? — um pouco de líquido molhou-me os bagos.

— Duas semanas e dez vacas leiteiras!

— Contrato feito.

E, na madrugada seguinte, rumamos.

Ao passar pela cidade de Mossoró, enviei um telegrama para Licânia:

“Sigo acompanhado pt Madame de brio vg Boca calada pt”

 

& & &

 

Quando Robertão Social leu a mensagem, quis cantar de galo:

— Esse Arcanjo, minha gente, vem é amancebado!

Tal protesto nem chegou aos ouvidos dos licanienses. Um uivo ainda mais alto pôs todos a correrem:

— Auuuuuuu… Auuuuuuu… uuu…

No capítulo seguinte, teremos mais…

— Auuuuuuu… Auuuuuuu… uuu…

… novidades.

Depois a gente se fala.

Valei-me, meu Pai do Céu!

 

*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.

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