O ALIENÍGENA (PARTE XIII)

Clauder Arcanjo*

 

Pintura Pipas, de Rubens Amaral.

 

A cidade em silêncio. Madrugada profunda. As casas dormiam.

De vez em quando o ganido distante de um cão, o soluço baixo de uma criança triste, o reclame agourento de uma coruja.

Quebrando tal pasmaceira, o repique do sino da Igreja São João.

Dona Ivana Pedrosa levantou-se apressada. Lavou o rosto sonado, preparou uma xícara de café, tomou-a em goles miúdos e anunciou ao esposo:

— José, estou indo pra missa. Cuide, homem!

Ivana pegou o xale, o missal e o terço; em seguida abriu a porta da frente. Ela estranhou a escuridão da madrugada, mas, como era mês de inverno, poderia ser que o tempo estivesse mudado.

O sino continuava em repique, chamando Licânia para a missa primeira.

Não só dona Ivana atendera ao chamado do campanário. Outras senhoras se dirigiram também ao adro da velha igreja. Lá chegando, as portas trancadas.

Uma das mulheres resolveu ver as horas no relógio de pulso: três da manhã.

— São três da m…

Nem concluiu. Foram surpreendidas pelo alienígena:

— …uuuuuuu… Auuuuuuu… uuu…

— São Francisco das Chagas, valei-me! O bicho agora tomou de conta da igreja — desabafou Crispina, enquanto corria de volta para casa.

— Meu Padim Padre Ciço!

— Santa Maria do Perpétuo Socorro!

— São João Batista!

— Xangô e Iemanjá, salvem-nos!

Parte da cidade, que não se levantara pelos dobres do sino, cuidou de acorrer àquela gritaria:

— O que está acontecendo aqui, minhas senhoras? — perguntou Robertão Social, ladeado por Brizolete Hernandes e pelo arisco Goiaba.

— …uuuuuuu… Auuuuuuu… uuu…

Goiaba ganiu, a coragem de Robertão sumiu e madame Brizó, não de toda refeita dos assanhamentos da noite, não ficou parada. Enfim, revelaram-se ferozes corredores. No rumo das ventas.

— …uuuuuuu… Auuuuuuu… uuu…

 

& & &

 

Final da tarde, no alto do Serrote da Rola, uma assembleia discutia o futuro de Licânia.

— Esta nossa terra está condenada. Vou me mudar para Morrinhos. Aqui se transformou numa cidade de loucos — alardeava Altamira.

— Concordo — complementou Pelô, esmoler que perdera o juízo há décadas.

— É o caso de redobrarmos as nossas investigações. No entanto, farei isso a partir do meu escritório em Sobral. Quando estamos muito perto do objeto investigado, caros presentes, o cérebro se confunde — defendia João Américo.

— Quem me serve uma dose dupla de pinga? Estou com os nervos abalados. Sem condição alguma de me pronunciar — propagou Zé Aguiar.

— Eu quero a minha mãe! — chorava Lau, inconsolável no colo de Brizolete.

— Ô gente medrosa. Precisamos partir para o ataque! — professava seu Antenor, surdo aos argumentos dos demais.

— Calma, minha gente. Tenham fé! — dizia o padre Araquento, enquanto benzia-se seguidas vezes.

— A tomada da igreja revelou o quanto este alien…

— …uuuuuuu… Auuuuuuu… uuu…

Sumiram todos. Nem Companheiro Acácio foi mais visto. Dizem que só parou de correr léguas depois.

 

*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.

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