O ALIENÍGENA (PARTE XIV)

 

Clauder Arcanjo*

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Pintura Autorretrato, de Teófilo Castillo Guas.

O cabo Jacinto Gamão foi destacado para investigar o incidente na Igreja São João.
Dizem os maledicentes da Pedra do Mercado que o representante da lei esperou a coisa se resolver com o tempo; mas, as cobranças do padre Araquento, assim como as das Pias Filhas de Maria, mantinham o assunto em alta efervescência nas calçadas de Licânia.
— Um acinte!
— Pecado mortal! Tal invasão deve ser descoberta logo, e os criminosos caírem sob o jugo da mão pesada de Deus e da Terra.
— Os santos aguardam por uma ação rápida e exemplar dos nossos homens públicos.
— E cadê o cabo Jacinto? Falam que ainda não voltou do Serrote da Rola, é verdade? — instigou Samaria Constância, uma das moças velhas mais ranzinzas, reconhecida, em Licânia e além-rio, como a Dama da Língua Bifurcada.

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Cabo Jacinto, uma semana depois, desceu para as investigações da ocorrência. Colheu depoimentos, visitou o local do crime, recolheu vestígios deixados pelos meliantes, tanto no campanário quanto no entorno da igreja.
A cidade, no entanto, pedia-lhe celeridade.
— Vai deixar ocorrer outro fato para prender os cabras, seu guarda? — cutucou o comerciante Belarmino, preocupado com a queda vertiginosa no movimento no seu armazém de tecidos.
— A pressa é inimiga da investigação!
— Não seria da perfeição? — ponderou o professor Galvino.
— Calados! Não atrapalhem o meu inquérito! Caso continuem com essa conversaria, acabo recolhendo uns três ao xilindró por distúrbio da lei — disparou Jacinto Gamão.

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Outra semana correu.
O Zé Aguiar espalhou entre os clientes do Bar do Horácio que vira o cabo colhendo possível material para um exame de DNA na capital.
— Puta merda, então isso vai levar mais de ano! — alardeou o João Américo, protofilósofo de Licânia, entre uma pinga e outra.
— Basta apertar o sacristão. Esse filho de uma égua deve saber das coisas. Ninguém teria acesso ao campanário sem ter a chave das portas da santa igreja! — defendia Baltazar do Bozó, desafeto do Raimundo Sacristão há tempos, tudo devido a uma campanha que Raimundo encetara contra os jogos de azar na província.
Cabo Jacinto soube que o seu nome corria solto entre os bebuns do Mercado Público. Resolveu ele próprio investigar se isso procedia.
Desde a entrada, o cabo foi logo descendo o cacete de jucá nos presentes.
— Ai, seu guarda! Não fiz nada.
— Lugar de malandro é na rua. Dispersar, dispersar! — dizia, enquanto o cacete zunia nos ares, antes de amaciar o lombo de alguns recalcitrantes.
— Dispersar, dispersar…
Neste exato momento, Paulo Bodô entrou correndo pela outra porta do Mercado, anunciando aos gritos:
— O bicho foi visto no campanário da Igreja Matriz de Sant’Anna!
Foi um alvoroço só, gente desembestando numa velocidade hipersônica.
— Ah, se esse tal alienígena desse uma boa surra no Raimundo Sacristão! Até eu, que nem me lembro de quando rezei a uma última ave-maria, seria capaz de puxar um terço inteirinho pela alma desse originário das galáxias — comentou Baltazar do Bozó, a cofiar o bigode, antes de ajustar o pincenê e… pôr sebo nas canelas secas.
Não pensem vocês que os licanienses correram para salvar a Casa de Deus. Negativo. Tomaram foi o sentido contrário, disparando para as alturas do Serrote da Rola.
E quanto a este narrador?, você me pergunta.
Sigo com a multidão: Senhora Sant’Anna e os outros santos cuidarão da defesa da Matriz. Junto-me aos mortais; de onde eles se encontrarem, prometo, continuarei a narrativa desta novela.
— …uuuuuuu… Auuuuuuu… uuu…
Esperem por mim!

*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.

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