PÍLULAS PARA O SILÊNCIO (PARTE CCCLVII)

               

Pintura “O homem de sete cores” (1915), de Anita Malfatti

Flagrantes inexpressivos

 

Uma mãe, com uma criança no colo, ensina-lhe os primeiros fonemas: “Gá, gá, gu, gu, mé, má, pé, pá…”.

Então o pai se aproxima e abre os braços para o bebê. Este, incomodado com aquela primeira aula, rende-se ao recreio paterno.

Com pouco descubro que uma chupeta havia sido o agente daquela sumária rendição.

 

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Volto ao balcão da cafeteria. Peço outro café. Na mesa ao lado, quatro jovens discutem, naquela manhã de sábado, acerca dos destinos da política nacional.

Entre um impropério e outro, decifro que a sabedoria política daqueles debatedores se resume a virulentos lugares-comuns.

Retorno ao meu passeio matinal carioca e vejo-me diante da residência que fora de Rui Barbosa, na rua São Clemente, em Botafogo. Lembro-me, então, da minha primeira leitura de Oração aos moços. Agora encontro esta passagem ao revisitar a obra: “Nem toda ira, pois, é maldade; porque a ira, se, as mais das vezes, rebenta agressiva e daninha, muitas outras, oportuna e necessária, constitui o específico da cura. Ora deriva da tentação infernal, ora de inspiração religiosa. Comumente se acende em sentimentos desumanos e paixões cruéis; mas não raro flameja do amor santo e da verdadeira caridade. Quando um braveja contra o bem, que não entende, ou que o contraria, é ódio iroso ou ira odienta. Quando verbera o escândalo, a brutalidade, ou o orgulho, não é agrestia rude, mas exaltação virtuosa; não é soberba, que explode, mas indignação que ilumina; não é raiva desaçaimada, mas correção fraterna. Então, não somente não peca o que se irar, mas pecará, não se irando.”.

Cá comigo repito uma constatação: “Estudante sou. Nada mais.”. Acabrunhadamente sigo pela tarde.

 

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Retiro-me ao pouso do meu silêncio e um poema quer eclodir. Levanto-me depressa da cama, cato o meu caderno de notas, mas as rimas se evaporam.

Vigio o rebrotar daqueles versos arredios, porém eles não retornam.

Cansado, caio no sono; e o poema desfila por entre o meu pesadelo. Profundissimamente.

Ao despertar no dia seguinte, vejo, no meu caderno de notas, os versos transcritos.

Aquele tipo de letra cursiva não me engana.

— Acácio? Companheiro?

 

*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.

                                                                                               Clauder Arcanjo*

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