PÍLULAS PARA O SILÊNCIO (PARTE CCCXVII)
(Pintura “Copacabana em 1893”, de Eduardo Camões)
O Rio de Janeiro continua lindo.
(Verso da música “Aquele abraço”, de Gilberto Gil)
Acordo no Rio e me vejo perdido no Flamengo. Na manhã fria, grito por Machado, mas nem Esaú nem Jacó me dão ouvidos.
Subo pelo Catete e presumo que Getúlio me persegue com seus acenos de desespero.
— Coitado do Vargas! Entrou para a história, mas não se cansa de ser um esqueleto no armário deste País.
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Chego ao Centro e passo a flanar pelas ruas próximas ao Lavradio.
— Onde estaria José de Alencar se ele ainda estivesse por aqui?
Daí a pouco a chamada de Acácio:
— Esquece a literatura, Arcanjo, e cuida de viver a Cidade Maravilhosa.
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No trabalho, no intervalo das reuniões, os reclames do rádio, seguidos de “Minha serenata”, na voz de Francisco Alves:
— E de dentro da neblina/ De repente se ilumina/ Uma janela qualquer/ Meu olhar não se desvia/ De uma janela sombria/ Onde a minha fantasia/ Pôs um vulto de mulher (…)
Resolvo tomar um café, e um mendigo me saúda com jeito e modos de Lima Barreto:
— Bruzundanga!
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Retorno para o Flamengo, não sem antes passar pela Glória. No Corcovado, Cristo me abençoa (assim imagino). Enquanto isso o taxista estica a corrida por Botafogo e me pergunta de onde eu vinha.
— Estava mais angustiado que um goleiro na hora do gol/ Quando você entrou… — relembrando Belchior.
Antes de chegar, o meu mais novo lamento:
— O Rio que hoje corre em mim não é o Acaraú da minha província. Muito menos o da aldeia de Pessoa.
*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.