PÍLULAS PARA O SILÊNCIO (PARTE CCCXXIV)
Clauder Arcanjo*
Confidências a T. S. Eliot
O nome dos gatos é um assunto matreiro,
E não passatempo dos dias indolentes;
Podem me chamar de doido igual a um chapeleiro
Mas um gato tem TRÊS NOMES DIFERENTES.
O primeiro é o nome que a família mais usa,
Como Pedro, Augusto, Estêvão, ou brejeiros
Como Vítor, Jorge, ou Jonas ou Fiúza…
Mas nomes que são no entanto corriqueiros.
O nome do nosso gato, T. S. Eliot, sempre foi assunto restrito ao nosso Mateus. Ao vê-lo com aqueles olhos de bichano faceiro, ele logo o batizou de Flok; e assim ficou para o mundo inteiro.
Flok caminha pela casa, desfila com o seu rabo felpudo e nem sequer nos pede graça, pois a oferta-nos de corpo e pelo.
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Invento uma Gata Malhada, seu nome é Sara Sarapinta;
A espécie do couro é rajada, com listras e cheio de pinta.
Deitada o dia inteiro passa na esteira ou nos degraus da
escada,
E dorme, e dorme, e dorme e dorme — mas isto é o que faz
uma Gata Malhada!
Não te ofereço fatal companheira, Flok, pois optamos por ter-te somente conosco, sem te arvorar fauno de gata nenhuma alheia.
“Vontade tenho de unhá-los!”, penso que tu nos falas, quando nos pões tanta fúria nesses olhos amarelos e arteiros.
ZARAGATO era um facínora que andava numa barcaça:
De fato o gato mais rude que já rondou pela praça.
Ao longo de muitos cais vogou seu gênio bravio
E exultava com seu título de “O Terror do Grande Rio”.
Põe tuas patas miúdas sobre as minhas mãos e escuta o conselho meu: não te finjas gato de rua, muito menos facínora a rondar por tantos breus. Melhor, Flok, ficares a ouvir as minhas histórias: umas, inventadas; outras, colhidas no convívio com os meus. Compões hoje uma família: eu, tu, Luzia, Artur, Lucas Francisco e Mateus.
Rim tim tantã é um Grande Chato:
Se tem galinha assada, ele quer cabidela;
Se lhe pões na tigela, ele prefere o prato;
Se lhe serves no prato, ele pede a tigela.
Se aparece a cadela, ele foge do rato;
Deixa passar o rato, e avança na cadela.
Rim tim tantã é um Grande Chato,
E é inútil berrar ou fazer ameaça,
Pois o animal
Faz tal e qual,
E não há jeito de evitar que o faça!
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Eis MacAnália, o Misterioso: apelidado A GARRA OCULTA,
Por ser do crime um grande mestre, ri-se da Lei que enfrenta
e insulta.
É o desespero da Polícia, pois o Esquadrão Combate-ao-Vício
Quando ao local do crime chega: de MacAnália nem indício!
Não vás sorrir desse mau exemplo, Flok. Já pressinto em teus passos o chamariz de um advento em que tramas mil bobagens pensando que tudo passará encoberto, sem risco de pena nem de banimento.
E assim o dia transcorre para Colosso que corre
De um clube para outro clube.
Não é surpresa nenhuma se ao voltar, depois da uma,
Em casa uns copos derrube.
Vivendo só na madorra e comendo à tripa forra.
É natural que ele engorde;
Mas sua linha preserva, seguindo — como observa —
Uma rotina de lorde.
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De tudo quanto é gato aqui já leste;
Por isso agora o meu conselho é este:
Não precisas de intérprete, ninguém,
Que diga o caráter que eles têm.
Aprendeste bastante e sabes, pois,
Que eles são parecidos com nós dois
E quantos outros mais que vêm a fio
Cada qual com seu tipo e seu feitio.
Paro por aqui, T. S. Eliot, apesar da lamúria que escuto do Nabuco, este amigo afim, pois lamenta estas “Confidências” dedicadas a um único gato, podendo incluí-lo, mesmo que de forma bem ligeira. Fico então com os dois, cada um com seu próprio tipo e jeito: um, meloso e real; outro, cabuloso e virtual.
Fonte: Os gatos, de T. S. Eliot; tradução Ivo Barroso (São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2010).
*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.