PÍLULAS PARA O SILÊNCIO (PARTE CCCXXXV)
Clauder Arcanjo*
Clauder Arcanjo*
(Pintura “Sertanejo”, de Sandréia Sara)
Noturno de um provinciano
Os ventos da noite acariciam tédios.
Junto ao cais, com ondas em assédios,
os navios parecem pensamentos parados.
E chegam, a boreste, tímidos recados
de tudo o que partiu.
Passeio diante do mar. As ondas me acenam com vagos silêncios. De repente o ritmo das marés me conduz às lembranças áridas da minha província: o bailar das carnaúbas, o estalo das cascas das árvores crestadas pelo sol, o balir das ovelhas pelos cercados cinza, os sertanejos assuntando o nascente despido de nuvens.
O luar retransfigura o porto
e eis-me aqui absorto
com meu grito que ninguém ouviu.
No cair da tarde, sob a bênção de um luar dadivoso, ancoro a minha tristeza diante da praia, fechando os olhos para o cais do presente:
— Se entrar por este mar, darei no meu sertão?
Uma espuma me lambe os dedos dos pés, como a me revelar que o meu grito não chegará ao próximo porto.
A noite, vagarosa como o andar de um lagarto,
em júbilo e dor é igual
a jovens esposas no primeiro parto.
Todo recanto precisa ter um jeito da minha província: uma rede armada numa varanda ventilada, uma fruta madura da estação, uma maneira estranha de suportar a dor, um júbilo diante de uma nuvem bojuda, um bom-dia seguido por um sorriso largo e hospitaleiro.
E em tudo sobreexiste vago ritual
enquanto em vãs navegações
as memórias procuram o colo das canções.
Sob a pasmaceira do anúncio da aurora litorânea, arrumo as minhas coisas, ajusto as expectativas do amanhã e, entre um naco de riso e uma tigela de tristeza, fecho o meu bornal provinciano. Invadido por um ritmo ancestral, um aboio se exalta dentro de mim.
Obs.: versos em itálico extraídos do poema “Do porto e da noite”, de Artur Eduardo Benevides.
*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.