PÍLULAS PARA O SILÊNCIO (PARTE CCLVIII)
Clauder Arcanjo*
(Quadro “O Lavrador de Café”, de Candido Portinari)
Conversa
“A palavra triste pintava-se de crepúsculo na fronteira da nostalgia.”
(Antônio Torres, em Querida cidade)
Chegou, sentou-se e ouviu. Era quase noite.
De início, nada falou. Apenas atento ao rumo do prosear. De vez em quando elevava a cabeça, sinal de expectativa do que, a partir dali, surgiria. Se o contado era deveras bom, ele arregalava os olhos e, discreto, entrelaçava os dedos das mãos, como a conter um sinal de contentamento.
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Na segunda vez, achegou-se e juntou-se ao grupo. Era já noite.
Desta feita nem se fez notado. Com pouco pediu a palavra e pontuou um elogio, com as mãos grandes a se expressarem mais do que a língua proferia. Os presentes, incomodados com a intromissão daquele estranho, seguiram no causo. E ele nem reparou no acontecido. Melhor, aguçou ainda mais as oiças para captar a continuação da narrativa.
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Naquela vez, nem se sabe se era noite ou dia, ele trouxe os olhos brilhantes e os braços abertos. Na primeira pausa na conversa, enfiou seu verbo tão bem costurado ao que antes se apresentara que todos elevaram as cabeças e arregalaram as pestanas. E, de dedos entrelaçados, sentaram-se, a aguçarem os ouvidos para a narração daquele novo mestre que surgia.
Pouco se importando se varavam a madrugada ou se palestravam na boca da noite ainda.
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Ela me anunciou o seu passado de forma tão encantadora, que desisti, sentindo que sua alma fora entregue, definitivamente, à nostalgia.
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De onde vieste, trazes a flor do passado. Onde estás, mostras a rosa do presente. Para onde irás, indicas o terreno em que semearás o teu novo jardim.
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O pastor desistiu de suas ovelhas. Alguns falam que o lobo era mais forte. Outros que seu aprisco não lhe era digno.
Sem se importar com quem tinha ou não razão, o lobo daria cabo do pastor.
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Tomei da palavra e pressenti a minha língua trêmula e indecisa. Ao meu lado, um jovem me pediu permissão para começar e, minutos depois, concluí que ele me salvara do ridículo.
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Ela me chamou ao canto e me disse que queria comigo conversar. Seus olhos, verdes como o oceano, naufragaram as minhas primeiras palavras. Sua boca, rubra como o sangue, assassinou o menor dos argumentos.
Morre-se bem, calado, frente a uma deusa assim.
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Pela manhã, frente à vidraça flagrou sua imagem cansada. De olhos baixos ele voltou para casa, envergonhado de si próprio.
Ao cair da tarde, diante do oceano, reconheceu o eco de suas dores nas ondas espumantes. De olhos marinhos, retornou para o seu lar, aliviado por sentir, nas vagas, sua comunhão com a vontade do mundo.
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Arou tanto o solo dos dias, medindo cada passo, ponderando as etapas do projeto, esmiuçando em demasia o agora, que deu na pedra. Sem a menor possibilidade de seguir (e colher) algo na vida.
“A conversa é como um arado: deve revelar uma grande superfície de vida, mas não mostrar estratos geológicos.”
(Robert Louis Stevenson, em O elogio do ócio e outros ensaios)
*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.