PÍLULAS PARA O SILÊNCIO (PARTE CCLXX)
Os estatutos das federações PSDB Cidadania e PSOL Rede foram aprovados, por unanimidade,
1538 Pílulas para o silêncio_Parte CCLXX, de Clauder Arcanjo 29.05.2022
(“Antropoceno, O grito de um rio”, arte de Francisco Ivo)
N’A terceira margem do rio
Oco de pau que diz:
Eu sou madeira, beira
Boa, dá vau, tristriz
Risca certeira
Meio a meio o rio ri
Silencioso sério
Nosso pai não diz, diz:
Risca terceira
Água da palavra
Água calada pura
Água da palavra
Água de rosa dura
Proa da palavra
Duro silêncio, nosso pai
Margem da palavra
Entre as escuras duas
Margens da palavra
Clareira, luz madura
Rosa da palavra
Puro silêncio, nosso pai
O rio me chama, e eu não entendo o seu dicionário. Passei muito tempo fora de casa, meti-me no oco do mundo, e virei estrangeiro na minha província.
Volto às ribanceiras, às margens das águas, e fico de olho no silêncio de remanso do Acaraú que desfila frente aos meus olhos.
Se meu pai estivesse aqui, juro por Deus, ele me aconselharia: “Só o silêncio consegue colher a rosa dessas águas de Licânia. Mergulha, filho, dentro de ti, e ouve o que nunca está à margem!”
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Meio a meio o rio ri
Por entre as árvores da vida
O rio riu, ri
Por sob a risca da canoa
O rio viu, vi
O que ninguém jamais olvida
Ouvi ouvi ouvi
A voz das águas
Asa da palavra
Asa parada agora
Casa da palavra
Onde o silêncio mora
Brasa da palavra
A hora clara, nosso pai
Procuro a tua canoa, madeira de palavra, pai. Madeira de lei. Nela, a voz em que, quanto maior o silêncio por entre o bulício da vida, mais funda, profunda a lição. Lição fundada no ouvir, ouvir, ouvir… e nunca se cansar de remar na direção da asa parada minha. Na tua palavra, pai, a voz do tempo, hora clara, undécima palavra. Colhida e ofertada na terceira margem, dentro de mim. Lá, o silêncio montou morada.
Hora da palavra
Quando não se diz nada
Fora da palavra
Quando mais dentro aflora
Tora da palavra
Rio, pau enorme, nosso pai
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Adentro e me vejo fora. Afloro e me vejo rio. Sem nada, cúmplice das nascentes. Coiteiro das carnaubeiras, que abraçam o tempo e o vento, a me mostrar a despedida da hora em que nada se diz, contudo tudo se deduz. Palavra toureada pelas nonadas.
— Dá-me a tua palavra, ó pai!
E as margens me silenciam.
Asa da palavra
Asa parada agora
Casa da palavra
Onde o silêncio mora
Brasa da palavra
A hora clara, nosso pai
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Hora da palavra
Quando não se diz nada
Fora da palavra
Quando mais dentro aflora
Tora da palavra
Rio, pau enorme, nosso pai
Insisto com os meus guardados, memórias de mergulhos, lembrados de peixes e anzóis. Fora da água, a agonia do instante em que o afogado floresce no cálido instante do teu último suspiro. “Nosso pai era homem cumpridor, ordeiro, positivo.” A palavra abafada na enorme afoiteza. Tradução do rio, herança de todos os que nos antecederam. Amém.
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Meio a meio o rio ri
Por entre as árvores da vida
O rio riu, ri
Por sob a risca da canoa
O rio viu, vi
O que ninguém jamais olvida
Ouvi ouvi ouvi
A voz das águas
Canso-me da terra medida, marcada e dividida, suprimida da leveza do nada. Quero, meio a meio, o riso, o riso das águas que ouvi quando tu e o rio riam para mim; e os canoeiros anunciavam o dilúvio no canto dos búzios, por sobre a risca das canoas.
Se me afogar, pouco importa, não consigo mais sobreviver sem ouvir, ouvir, ouvir… a tua voz e a das águas do Rio das Garças.
Asa da palavra
Asa parada agora
Casa da palavra
Onde o silêncio mora
Brasa da palavra
A hora clara, nosso pai
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— Que horas são, meu pai?
Hora da palavra
Quando não se diz nada
Fora da palavra
Quando mais dentro aflora
Tora da palavra
Rio, pau enorme, nosso pai
Quando for para junto de ti, pai, deixa eu remar a tua canoa celestial. E que eu seja digno da tora da tua palavra, palavra em que a sabedoria flora e aflora. O mais, o mais é nada.
Hora da palavra: a tua bênção, pai!
Obs.: trechos em itálico extraídos da canção “A terceira margem do rio”, de Milton Nascimento e Caetano Veloso.
*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.
Clauder Arcanjo*