PÍLULAS PARA O SILÊNCIO (PARTE CCLXXII)
Clauder Arcanjo*
Confidências a Biscuí
O amor risca a tarde
E o silêncio é crepúsculo.
O amor alaga o olhar
Deste exilado de ti.
Ouço a pragmática senhora indagar ao cair do dia: “Para que serve o amor?”.
Tenho ânsias de lhe responder, mas a elegância me tolhe o gesto, e eu retorno para dentro de mim. Com a sentença já pronta, escrita e ofertada pela saudade dos teus lábios, Biscuí.
“O amor não serve para qualquer uma!”, ouço a tua conclusão. E bato palmas por tua ousadia, Biscuí, ao tempo em que xingo a minha “educada” covardia.
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Amei o dia,
Se o dia era teu.
Amei a tarde,
Se a tarde era tua.
Amei a noite,
Se, à noite, vinhas.
Pondero que o amor não está na moda; e tu, amante das loucuras, abres-me os braços, estendes o teu corpo sobre o meu, avanças o teu riso sobre o meu pragmatismo e declaras:
— Hoje, haja sol ou chuva, a Deus ou ao fim de tudo, vou te afogar sem clemência no oceano das nossas venturas. Tire o paletó e os sapatos e cuide de voar comigo — ordenas-me.
De repente o céu veste-se de cores, borboletas azuis, canários-belgas, sanhaços ariscos. E eu me contento, satisfeito em ter a tua bastante presença.
Coisas há que não se explicam
Credos há que não se entendem
Amor é coisa de muita sandice.
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Se há um Céu,
Eu só o desejarei
Se estiveres comigo.
Na noite longa, tuas mãos pequenas ofertavam a doçura infinita. Em cada carícia, o néctar do reconforto, a estima de se reconhecer o escolhido. E, ao fim e ao cabo, sei que o meu reinado, Biscuí, começa e termina em ti. E o teu corpo-promontório me basta, sou cidadão de uma deusa-ilha.
No dia que virá, pouco importam os desafios, há, a me esperar, um porto alento. Sem navios, sem tesouros, contudo com a paz na vela de nosso lar.
— Amor à vista!
Contigo rezo
Confiando na tua fé
A ti me entrego
Adorando o calvário.
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E, no ritual
Das noites,
Tu me guiavas:
Paixão e fúria.
O quarto silenciava quando nos entregávamos. O tempo parava em respeito àqueles cativos um do outro. No entanto, saibam todos, quando os corpos se comungavam, as nossas almas há tempo irmanaram-se no inominável advento do batismo da eternidade.
O prazer escorre lento
No leito da madrugada.
Quando se ama, saiba,
O relógio é mero invento.
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Em tua substância
Plantei minha raiz.
E ouvi o pássaro
Que cantou por nós.
Quando revejo Licânia sem a tua presença, Biscuí, sinto o vazio das ruas, a orfandade do passaredo, a luz difusa da aurora sem o sol que a alumia.
Enfim, Licânia sem ti é litania do desterro.
Conto contigo no Além.
Se lá não estiveres,
Deixem-me ficar ao léu.
*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.