PÍLULAS PARA O SILÊNCIO (PARTE CCVI)
Calado ao pé de ti, depois de tudo,
Justificado
Como o instinto mandou,
Ouço, nesta mudez,
A força que te dobrou,
Serena, dizer quem és
E quem sou.
(Miguel Torga, em “Paz”)
Sai de mim a lágrima última, e o degredo não suaviza. Pelo contrário, a tirania do destino afia as garras na minha pele ressecada.
O desespero, então, se prepara para em mim habitar de vez; mas, eu, justificado e ungido por uma fé descomunal, clamo aos céus, sereno:
— Não hei de me entregar!
Lá fora, ouço o rugido do tempo a proclamar sua fúria.
E descanso, em paz.
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— A quem tu falas, meu jovem?
— Tu não vês, senhor? Estou contando histórias para a maré!
Uma nova onda vem beijar-lhe os pés, placidamente.
— E para quê? Poderia saber?
Ele leva a mão direita a uma rosa de espuma ao seu lado, haure o seu talássico odor e, sereno, me responde:
— Todo final de tarde, à hora do crepúsculo, sento aqui e relato as histórias do mundo para o oceano.
Uma gaivota pousa próximo, como se confidente daquele testemunho.
E volta a contar segredos e fatos às águas oceânicas.
De repente ele aponta-me a areia, como a me pedir para se sentar ao seu lado e ser partícipe de tudo.
Corro os olhos pelo horizonte e sinto a presença do Inominável, adejando sobre o verbo das ondas.
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Sabia que lhe faltava a verdade, então montava na mentira como último recurso. Ao cair daquela montaria rebelde, sacodia a poeira e, teimoso, subia nas ancas lisas do Pégaso da última utopia. Para, pouco à frente, voltar ao chão e recomeçar a luta.
Sem sequer suspeitar de que a verdade era cavalo mais manso.
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Donival notou que a noite caía mais traquinas: os gatos em armistício com os cães, os ratos em jogatinas com os bichanos, as cobras sem se importunarem com o voo das corujas.
Ao chegar à casa, Maria o esperava com um sorriso faceiro e libidinoso; ela que, ultimamente, se queixava de frieza nas carnes.
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— Morrerei, mas entrarei no Paraíso — anunciou Gilnésio Pisca-pisca ao companheiro de quarto.
— Por que tanta certeza, Gilnésio? — perguntou Otaviniano Polério.
— Porque o doutor, que garantiu que me curaria, é saudado aqui no hospital como um santo homem.
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“Bafo só faz cuscuz!”, gritou o réu ao ouvir a cantilena do seu próprio advogado.
Ao final, o júri o absolveu por unanimidade, julgando-o “inimputável”.
*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.