PÍLULAS PARA O SILÊNCIO (PARTE CCXIV) – Clauder Arcanjo
Um ritmo de abrigo envolve as coisas, tudo.
Vontade de dormir o grande sono calmo
Ouvindo a chuva triste e mansa, a descer sobre mim.
(Augusto Frederico Schmidt, em “Canção da breve serenidade”.)
Aguardando a estrela cadente eu estava e aqui ainda estou. No céu, um vazio de tudo; no ar, nenhuma brisa de esperança.
Sei que dormirei; tarde, mas dormirei. Então o céu me cobrirá com sua “frialdade inorgânica”, enquanto meu espírito catará seixos de ilusões para uma nova alvorada.
Será que a estrela cadente brilhará no firmamento, ao tempo em que a sonhar mergulho no esquecimento?
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O gosto indecifrável da tarde; a boca revisita o palato e sente o tremor da língua. Esta, em febre, ameaça um discurso de fúria, mas nem um ínfimo protesto escapa dos lábios transidos de inquietação e pavor.
Lá fora a noite apresenta seu desfile de espectros, e os homens se escondem da morte em suas moradas.
No quadro da sala, a liberdade abre os braços para a porta fechada.
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Disseram-me que o remédio de Zilda curaria minhas dores. E para lá me dirigi.
Quando bati à porta, Zilda me saudou com um jeito tão maroto que me entreguei aos males do coração.
— Sente-se, meu senhor, e me diga o que sente.
Entre lágrimas, declarei-me:
— Paixão.
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O conselho do velho Ferrácio era breve e direto:
— Quando se visita muito o relógio, meus caros, o tempo nos castiga.
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No cemitério, o único vivente que não chorava naquela manhã era o coveiro.
Ao contrário, sentia-se no ar o seu duro lamento. “Ou o homem dá um fim a esta pandemia, ou até os coveiros morrerão, exaustos.”
Em seguida o administrador do cemitério pedia que a roda da morte girasse mais rápida:
— Encomendem a alma dos seus familiares em casa. Há uma fila lá fora aguardando…
E uma chuva fina e triste a todos banhou.
*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.