PÍLULAS PARA O SILÊNCIO (PARTE CLXXI)
Clauder Arcanjo*
Quando se via humilhado, vestia-se de silêncio. Diante da agonia, cobria-se com o manto da esperança. E, ao se deparar com o torvelinho do sofrimento, recolhia-se e molhava os olhos com um sorriso indescritível.
No dia em que os sinos anunciaram a sua morte, a cidade pouco orou por aquela “alma tão louca”.
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— Amanhã, eu resolvo.
— Você me disse a mesma coisa ontem, seu cretino!
— E eu tenho culpa, Maria, se o destino quis assim?!
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Se escrevo no calor da tarde, a prosa assume um visgo de inquietude.
Nas vezes em que crio minhas histórias na fria madrugada, as personagens ardem lúbricas sob os lençóis profanos do enredo.
Quando o verbo desaparece, creia-me, a geada congelou minha pena. Em tais casos, o melhor a fazer é recorrer às fornalhas alheias, leitura das obras clássicas.
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— Nome?
— Ninguém.
— Sobrenome?
— De alguém.
— Nascimento?
— Parto normal.
— Escolaridade?
— A que Deus me deu.
— Profissão?
— Nenhuma.
— Experiência?
— Trinta e cinco anos de desocupado.
— O que traz o senhor aqui?
— Se eu soubesse, senhora, eu aqui não viria.
— E, afinal, o que tem a me dizer?
— Que Deus a cubra de bênçãos e resolva logo o meu caso.
Ninguém entendeu quando naquela tarde a atendente jogou tudo para o alto na repartição; e, no dia seguinte, deu entrada no seu desligamento do emprego. Em caráter irrevogável.
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Seus castelos ruíram de velhice, julgavam. Os olhos, invadidos pela catarata. As pernas, trêmulas e pouco confiáveis. As mãos, marcadas pelas rugas do tempo.
Quando a nova vizinha entrou, Gumercindo, mergulhado na soneca da tarde, despertou:
— Cintura fina, lábios espessos, pernas torneadas, mãos afáveis, olhos de loba, cabelos sedosos, pele carmim, cheiro de flor… Eis-me aqui, faça de mim o seu eterno escravo.
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A manhã raiou como de costume: sol, vento liso e fragor do passaredo. Mas quando — bela, cheirosa e em vestes mínimas — ela pisou na rua, a cidade sabia que a rotina de todos se faria alterada.
*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.