Pílulas para o Silêncio (Parte CLXXV)
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Clauder Arcanjo*
(Escola de Atenas, de Rafael Sânzio)
A escrivaninha estava limpa, sem um papel sequer sobre ela.
Correu em busca da nova assistente.
— Maria, onde estão os meus papéis?
— Ah, seu Abelardo Forte, nem lhe conto. Eu resolvi deixar tudo muito bem arrumado para o senhor. Sua mesa estava um ninho de ratos; limpei, rasguei e queimei toda aquela lixaria.
Eis que Abelardo, antes Forte, fraquejou das pernas e sucumbiu, afundando-se num desmaio apoplético.
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Quem nada nu em rio com piranhas, de costas o faz. E quem lê uma prosa desenxabida e insossa, depressa o faz?
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Tirano adora um serviçal. Mas quando se depara com alguém de ideias e valores próprios ou o condena ao exílio ou cuida de sumariamente exterminá-lo.
— Sou homem de ação, a filosofia enterra o país no pântano da eterna, e inócua, dialética! — gaba-se o Tirano-mor, diante do seu exército de áulicos.
Esses, ao aplaudirem-no calorosamente, se dão conta de que as suas mãos andam sujas, como nunca antes.
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Na igreja, o sacristão agnóstico, amante da luxúria e do pecado. No bar, o bêbado louco. Na esquina, o fuxiqueiro açodado. Na calçada, a beata carpideira. Na prefeitura, o prefeito sagaz, a se outorgar “legítimo porta-voz do povo”.
Ou seja, a cidade estava pronta para ser palco de mais um romance tragicômico.
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Lobista dos fármacos, convenceu a sociedade — por entre um rabo de conversa, em meio a um fuxico e outro, ou entre um comentário despretensioso — de que a solução do mundo estava nas drogarias e farmácias.
Com o passar dos anos, tudo se fez uma droga.
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Nobre é aquele que se ajoelha para se desculpar ao se perceber em falha.
Disso ele bem sabia. A questão é que — arrogante anunciava — ele nunca falhara na vida.
*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.