PÍLULAS PARA O SILÊNCIO (PARTE CXCIV) – Clauder Arcanjo
Colóquio com a dor
Instala-se dentro dos teus miolos, e não há analgésico que a expulse.
Essa dor, senhora, não é física, ela nasce nas turvas águas da tua solidão, nos redemoinhos das lembranças das tuas omissões. E, hoje, quando te encontras mais abandonada, ela se achega e quebra as paredes finas da tua pretensa paz.
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Quem sofre da dor da saudade de alguém tem ao menos o consolo da companhia das lembranças.
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Antevia o choro, antes do sofrimento. Imaginava o soluço, bem à frente da tristeza. Enfim, a sua dor sempre se antecipava aos seus infortúnios.
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— Agora, ou quer esperar um pouco? — indagou ao condenado.
— Deixemos para depois, pode ser?
— Quando se adia, se dobra a pena — anunciou o verdugo.
— A dor deste instante me espanta por sua presença iminente, caros senhores, a de logo mais pode ser que se atrase! — asseverou o réu, arrancando o riso daqueles que sempre foram testemunhas da agonia.
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— E ainda cabe mais sofrimento na minha vida? — interrogou ao padre no confessionário.
— Ah, meu filho, são muitos os mistérios do Céu… — declarou o velho pároco.
— Mas, seu vigário, isso não é coisa de Deus. Tanto sofrer só pode ser artes do Diabo!
— Sim, realmente. E para que tu precisas do meu perdão, se não para aumentares a tua bendita resistência?
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Habitava dentro dele uma tirana predileção pelas tragédias; quanto maior o drama das personagens, mais ele se identificava com — e aplaudia — o espetáculo encenado no palco da desolação.
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Quem vive a exortar as águas do Hades deve providenciar seu óbolo para ofertar ao barqueiro Caronte.
*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.