Sob pressão de empresas, governo avalia adiar por um ano norma que exige medidas de saúde mental no trabalho

O governo deve adiar a atualização da NR-1, norma que define diretrizes para a saúde no ambiente de trabalho e que passaria a incluir o tema da saúde mental. A decisão foi tomada após reunião com sindicatos patronais — que representam as empresas e vinham pressionando contra a mudança.

 

O adiamento ainda não foi oficializado. Procurado, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) não respondeu.

 

A atualização da norma foi anunciada em agosto de 2024 — ano em que o país teve o maior número de afastamentos do trabalho por saúde mental em 10 anos, como mostrou o g1 com exclusividade.

 

A NR-1 traz todas as diretrizes para garantir a saúde do trabalhador no ambiente de trabalho. Com a atualização, ela passaria a incluir os riscos psicossociais.

 

🔴 O que isso significa: que o MTE passaria a fiscalizar as empresas, podendo, inclusive, aplicar multas caso fossem identificadas questões como metas excessivas, jornadas extensas, ausência de suporte, assédio moral, conflitos interpessoais, falta de autonomia no trabalho e condições precárias de trabalho.

➡️ Ou seja, isso passaria a ter o mesmo peso de fiscalização de pontos como questões que envolvem acidente de trabalho ou doença.

 

As empresas teriam até o dia 26 de maio para se adaptar. O g1 apurou com fontes ligadas ao governo federal que o adiamento foi comunicado em uma reunião do MTE nesta segunda-feira (14), com a presença de sindicatos patronais. Algumas das entidades, inclusive, publicaram notas comemorando o recuo.

Nesta quinta-feira (17) o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho publicou uma nota alegando receber com “preocupação a sinalização de adiamento da vigência da nova redação da norma”.

 

O que levou ao adiamento?

Além de pressão das empresas, o recuo teria sido motivado pela falta de estrutura do ministério para a implementação. O governo havia anunciado a medida pouco antes do balanço anual de afastamentos do trabalho ser divulgado, e deu um prazo de seis meses para que a norma passasse a valer.

 

➡️ No entanto, até esta quinta-feira (17), faltando um pouco mais de um mês para o prazo final, ainda não foi divulgada a cartilha que traz com clareza os detalhes do que precisa ser feito a tempo da cobrança.

 

“O Ministério do Trabalho está desenvolvendo um material explicativo para facilitar a compreensão das obrigações. Uma coisa é fato: falta entendimento, porque não adianta a legislação existir se não produzir efeitos”, diz Ana Luiza Horcades, Auditora-Fiscal do Trabalho.

Apesar disso, os auditores alegam que as regras exigidas não são uma novidade e que não seria difícil a implementação. A única mudança é que os riscos psicossociais passariam a ser cobrados.

 

O atraso deu força ao argumento dos sindicatos patronais, que representam as corporações e fizeram pressão desde o anúncio da medida. Com a aproximação da data de implementação, eles pediram ao MTE que a atualização fosse adiada por um ano.

 

As entidades alegavam que:

 

A medida acabava colocando sob a empresa a responsabilidade por problemas de saúde mental, que são globais.

Gasto extra não previsto com profissionais de saúde mental;

Falta de clareza sobre a aplicação da norma;

O INSS, que é responsável pelos pagamentos dos afastamentos, informou que em 2024 as pessoas ficaram, em média, três meses em licença, recebendo cerca de R$ 1,9 mil por mês. Considerando esses valores, o impacto pode ter chegado a até quase R$ 3 bilhões em 2024 só aos cofres públicos. Além disso, ainda há o custo disso para as empresas.

 

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 12 bilhões de dias úteis sejam perdidos globalmente, todos os anos, devido à depressão e ansiedade. Isso representa uma perda de 1 trilhão de dólares por ano.

 

Crise de saúde mental no país

A atualização da norma foi anunciada no ano em que o país bateu o recorde de afastamentos do trabalho por saúde mental. Em 2024, segundo dados obtidos com exclusividade pelo g1, foram 472 mil afastamentos, contra 283 em 2023 – uma alta de 68%. (veja a evolução no gráfico abaixo)

➡️ O número acima traz a lista de doenças de saúde mental que mais geraram concessão de benefícios por incapacidade temporária. O burnout, por exemplo, não está nessa lista. No ano passado, foram 4 mil afastamentos por esse motivo. Os especialistas explicam que o número tem relação com a dificuldade do diagnóstico.

➡️ Os dados representam afastamentos, e não trabalhadores. Isso porque uma pessoa pode tirar mais de uma licença médica no mesmo ano e esse número é contabilizado mais de uma vez.

Os dados do INSS permitem traçar um perfil dos trabalhadores atendidos: a maioria é mulher (64%), com idade média de 41 anos, e com quadros de ansiedade e de depressão. Elas passam até três meses afastadas do trabalho.

 

🔴 Por outro lado, não foi possível fazer recortes por raça, faixa salarial ou escolaridade, pois os dados não foram informados pelo INSS.

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