Trio de brasileiras cria editora “Nossa” na França para publicar só obras de mulheres

Por: Adriana Brandão 4 min A escritora e editora Simone Paulino transita entre a França e o Brasil há mais de 10 anos. Agora, deu um passo a mais nesse intercâmbio cultural e intercontinental, e criou, juntamente com a designer Gabriela Castro e com a filósofa e escritora Marcia Tiburi, a editora francesa "Nossa".

Simone Paulino é a fundadora da “Nós”, editora criada em 2015 com o objetivo de publicar inicialmente literatura brasileira contemporânea, mas que depois passou também a publicar literatura contemporânea estrangeira. Uma das peculiaridades da “Nós” é que ela “nasceu” na França.

No início dos anos 2010, Simone Paulino descobriu em Paris a coletânea de contos “Je suis Favela”, publicada em francês pela Anacaona exclusivamente com textos de autores brasileiros. O livro nunca tinha sido publicado em português e ela decidiu que “Eu sou favela” seria o primeiro de sua editora.

Depois, a editora participou com frequência da Primavera Literária Brasileira, evento anual criado em 2014 com o objetivo de promover e divulgar as literaturas lusófonas na França. Simone Paulino trazia autores da “Nós” para o festival e publicava coletâneas de contos dos escritores que participavam da Primavera Literária Brasileira, como o livro “Olhar Paris”, organizado por Leonardo Tonus. “É interessante isso. Tem coisas que acabam ganhando um caminho que a gente não tinha exatamente previsto”, diz ela ao comentar o lançamento agora da editora francesa.

A “Nossa” não é uma filial da “Nós”. Simone Paulino fala, rindo, que ela poderia ser “uma filha”. “A ‘Nossa’ nasce com um conceito bastante diferente, com a ideia de publicar sobretudo mulheres latino-americanas, e francesas eventualmente, que tenham algum trânsito pela Europa e relacionem-se, de alguma maneira com o Brasil e com a cultura brasileira”, explica a editora.

Espaço no mercado editorial francês

Simone Paulino avalia que existe “um pequeno espaço” para no mercado editorial francês para esse tipo de literatura. Incialmente, o projeto da “Nossa” é lançar cinco livros por ano. Três chegam às livrarias ainda em 2022. O primeiro livro do novo selo “Sous mes pieds, mon corp” ou “Sob os pés, meu corpo inteiro” de Marcia Tiburi, já foi lançado no início de setembro em Paris.

O livro foi o primeiro porque chega às livrarias ao mesmo tempo que a exposição individual de artes plásticas da Marcia Tiburi em Paris, “Terradorada”.  O atual momento político e de campanha eleitoral no Brasil também influenciou esse lançamento agora. “Estamos num momento histórico político importante para todos nós brasileiros. Tem toda uma cena política muito tumultuada no Brasil e a gente achou que era um momento muito propício para lançar esse romance que também tem uma ligação com essa questão porque a personagem tem algumas questões relacionadas à Ditadura [Militar brasileira]”, descreve a editora.

Os dois outros livros da “Nossa” já estão no prelo: ”Tristes Nords: une anthropologue autochtone à Paris” (Tristes nortes: uma antropóloga indígena em Paris), de Kowawa Kapukaja Apurinã, com fotografias de Fernanda Tafner, e “9 juillet” (Nove de julho), de Marie-Caroline Saglio-Yatzimirsky.

“O segundo livro vai mostrar muito claramente o caminho que a gente quer seguir com a editora que é a ideia de transpor, e até de certa forma de superar, certas barreiras, linguísticas e culturais que ainda existem e que a gente entende que tem a ver um pouco com um modo patriarcal de fazer as coisas”, afirma. O título da obra de Kowawa Kapukaja Apurinã faz referência ao clássico “Tristes trópicos”, do antropólogo francês Claude Lévi-Strauss.

Discreta antropofagia

O trio fundador da “Nossa” criou um conceito gráfico especial, misturando a tradição francesa e a brasileira, para os livros de seu catálogo. Simone Paulino conta que no Brasil disseram que a composição visual da nova editora “era uma discreta antropofagia”.

A Nossa adotou a cor única utilizada nos projetos editoriais e gráficos da maioria das editoras francesas, que escolhem uma cor e uma capa impressas em todos os livros do catálogo, mas optou por uma cor diferente. “Escolhemos o vermelho que é uma cor forte, que a gente acha muito importante para este momento no mundo e que também é uma cor que tem a ver com a França”, revela.

O grande diferencial da nova editora “é que os livros terão quase que uma duplicidade”. Como no livro de estreia “Sous mes pieds, mon corp” que traz também um volume com os desenhos de Marcia Tiburi, os outros lançamentos terão também “o texto que será sempre acompanhando por algum livro de imagem para que tenha um diálogo entre as diversas áreas do saber”.

Deixe um comentário